sexta-feira, 30 de maio de 2008

Cooperativa Árvore evoca o poeta Luís Veiga Leitão

Nos 20 anos da morte de Luís Veiga Leitão, a Cooperativa Árvore homenageia o poeta. A sessão está marcada para sexta-feira, 30 de Maio, pelas 18h, e promete contar com as intervenções, acerca do homem e da obra, de Fernando Guimarães, José Emílio-Nelson, Luís Adriano Carlos, Miguel Veiga e Pires Laranjeiro. Seguir-se-á a leitura de poemas por Manuela Bronze.
Luís veiga Leitão nasceu em 1912, em Moimenta da Beira. Poeta e artista plástico, foi membro do grupo literário “Germinal”.
Militante anti-fascista, foi obrigado a exilar-se devido à perseguição do regime salazarista. “Noite de Pedra” constitui a mais emblemática das suas obras.

1 comentário:

Anónimo disse...

A PALAVRA ROLANTE DE LUÍS VEIGA LEITÃO
José Emílio-Nelson

«LÁ ONDE», primeiro verso de «Latitude», livro de estreia de Luís Veiga Leitão, parece acolher para o discurso poético um sentido profético (que é um modo de ler a escatologia na Bíblia, a par do sentido apocalíptico que também o poeta invoca no poema «Salazar e Franco»).
Do meu ponto de vista, admito que polémico, Veiga Leitão inicia o seu trajecto poético desenvolvendo o sentido messiânico dessa perspectiva escatológica: a que anuncia na «Latitude» da «alma que principia», do «aquém da pedra», do «Lá onde», lugar etéreo de «pureza», do «além» (aliás, para Feuerbach, entre certos povos, «a fé no além, numa vida após a morte, não é senão a fé directa no aquém»), e outra «realista», com a qual se compromete desde logo: a que proclama que urge transformar o mundo de «pedras à volta», de «balcão de pedra». Não o «Lá onde», mas o «Lá fora» do verso de «Noite de Pedra», segundo livro de Veiga Leitão: «Lá fora é que é dia».
Há que sublinhar, desde já, que a responsabilidade política do intelectual Veiga Leitão não ofusca a busca estética do poeta: se por um lado se manifesta veementemente («Uivo e nego, canto e berro.»), nunca abdica de «…uma singular alquimia da linguagem».
Escrita «pedra a pedra, pedra a prumo, pedra espectro», a sua poesia se concretiza pela conexão entre momentos da «luz dos altos céus» e «figurações» inequivocamente políticas («Quem escolhe o caminho das pedras/ sabe de cor a cor do sangue.»), que testemunham a repressão salazarista como a caracteriza a dedicatória tendenciosamente panfletária num poema intitulado «Agostinho Neto»: «Ao amigo e camarada das prisões e tribunais plenários nos tempos do fascismo», ou quando, neste poema, com concessão poética exprime o magistério doutrinário anticolonialista: «Do grande sonho ficou a matriz/ a luta e a regra:/ toda a libertação (pela raiz) / da África Negra.».
Um horizonte ideológico para os «Homens de todo o mundo» («ralé de faia e navalha») aonde «todos serão belos e bons»: «Ressurreição», eternidade da alma ou sociedade sem classes, a mesma escatologia? Há autores para quem os objectivos finais em tempos do fim, quer sejam as promessas para a felicidade etérea ou para a evolução última das sociedades, se alicerçam numa perspectiva salvacionista análoga: escatologia cósmica vs. escatologia colectiva).
Observe-se que, segundo um teólogo contemporâneo, Juan José Tamayo, a moderna Teologia Cristiana recupera a escatologia (ou seja, as tradições messiânicas, as promessas, as «esperanças escatológicas») e, ao retomar essa tendência do pensamento moderno Judeu, compromete-a com as expectativas das utopias históricas expressas na doutrina do cristianismo primitivo, logo alinhando, de certo modo, com as críticas de Marx à alienação.
O poeta, isto é bastante perceptível, entrelaça os devaneios da crença e da descrença numa formulação que reequaciona a declaração realista sempre presente na reflexão que empreende sobre o que escreve: «A lua dos poetas aéreos»; (p. «Fábula») e «Não a poesia «lunática» mas a que tem ossos, ovários, sexo». Haveria que demonstrar mais apuradamente, não é a intenção deste esquisso, que a sua poesia, recorrendo a constantes remotivações, se processa entre a «luta» (o processo histórico) e a «lua» (a que se manifesta na sua preferência fabuladora). Tal como para a Bachelard, em Veiga Leitão «a matéria é um centro de sonhos».
Um sonho vinculado a uma palavra (que não «luta» ou «lua») na sua poesia, palavra com um lugar à parte, palavra andante (com valor de dístico: a palavra «pedra») que infunde uma impressão perene em toda a sua Obra e que consegue transmitir certeiramente a alusão constante à resistência (resistência de material/ Resistência, com maiúscula) e que, serpenteando de livro para livro, em ênfase crescente, movente, culmina na fórmula feliz de súmula da sua poesia como um «Ciclo de Pedras» (título da antologia que publica com livro inédito) e que se desenvolve posteriormente como «Biografia Pétrea», título de um poema de «Rosto por Dentro».
Veiga Leitão entende a noção de poeta como aquele que escreve «um verso na pedra rasa».
A palavra «pedra», palavra polissémica, (verso na pedra ou pedra no verso), assume também a ideia de erotismo transfigurado que só aparentemente se descontextualiza da realidade fechada de «Noite de Pedra» para nos dar, não raras vezes, a alusão erótica (do erotismo negado, de solidão); uma erótica sublimada, como se lê nos versos, em contexto diverso, que passo a citar: «pedras fêmeas que me criam»; «és uma pedra roxa e mole»; «e na ruga duma pedra escura».
Mas é, sobretudo, a palavra que pesa, «Rugosa dureza que respiro», que infunde perpetuidade, a palavra que arremessa a acusação e as convicções, palavra rolante, palavra que corre, que percorre a sua poesia e que nos parece tão dolorosamente lenta ao repetir o testemunho sobre a Ditadura de Salazar-Caetano, como no poema «Duro Ofício do Exílio» (onde «o mar empedrou»), a palavra onde Veiga Leitão revela ostensivamente o obscuro tempo português: «Seja a memória também de pedra».
Finalmente, retomando um dos seus versos («A luta e a regra»), pode-se dizer que Veiga Leitão é um poeta de regra (estética: «E o bronze duma voz …») e da luta (política: «…que não se cala:»). O engajamento «E o bronze dessa voz que não se cala» faz de Luís Veiga Leitão o mais importante dos poetas da Resistência.


06-03-08