segunda-feira, 8 de março de 2010

"A História da Nossa Terra!"

Um portal desconhecido edificado em 1742 no morgado de S. António de Leomil

Não foi há muito tempo atrás que o Sr. Arménio Santana, um leomilense apaixonado pela história da sua terra, me perguntou se eu conhecia um brasão da Quinta de Santo António. Não tendo eu percebido ao que se referia, disse-me: “a casa dos teus padrinhos, aquele portal na fonte igreja tem um brasão da parte de dentro.” Percebi que se tratava de um belo portal que dá acesso à quinta do solar de Santo António. O presente esparso debruça-se sobre esse portal que se encontra detrás da “Fonte Igreja”, pequeno tanque onde até há escassos anos atrás se lavava a roupa, virado para o caminho que tantas vezes calcorreei enquanto miúdo, quando verões a fio ia à represa do Vidual encaminhar a água do regadio para a Retorta. É que muito embora não se trate de um brasão, tinha razão o Sr. Arménio ao referir-se àquele portal, pois trata-se de um pormenor arquitectónico de relevo completamente desconhecido no concelho que faz parte integrante de um solar que também é tido como de menor importância mas que, na verdade, comporta uma longa e rica história.
O solar do Santo António, assim chamado pela capela ali erigida em honra a esse santo, foi erigido em morgado. O morgado era um vínculo entre um proprietário e sua descendência, cujos bens eram transmitidos ao filho primogénito. Este, não os podia vender, senão acrescentar. O grande objectivo era a perpetuação dos bens na linhagem da respectiva família.
A família Fonseca, aquela a quem primitivamente foi doado o Couto de Leomil e cuja ramificação deu origem aos Coutinhos, está também na origem do morgadio de Santo António de Leomil. Este foi instituído em 1580 por Pedro Martins Fonseca Pacheco (1.º morgado) e sua mulher D. Isabel Pires de Paraduça. O pai do instituidor era Lourenço Anes Pacheco, capitão-mor e natural de Leomil e sua mãe era D. Maria Ozores da Fonseca. Seu avô materno era o alcaide-mor de Almeida e Vilar Maior, Cristóvão da Fonseca, o qual serviu em Arzila, foi comendador da Ordem de Cristo de Santa Luzia em Trancoso e senhor do morgado da Quinta da Rapa. El rei passou-lhe o brasão de armas de verdadeiro Fonseca no ano de 1523. Sua avó materna era D. Catarina de Sobral. Seus bisavôs maternos eram descendentes dos senhores do Couto de Leomil.
Em 1625 António Martins da Fonseca, Ambrósia da Fonseca e Sabino da Fonseca, não tendo descendentes, uniram os seus bens e fizeram nova instituição de morgadio com a cláusula de que os herdeiros deveriam usar o apelido Fonseca. Os herdeiros imediatos foram António Francisco Soeiro da vila de Sendim e sua mulher D. Maria Pires da Fonseca Pacheco. Segue-se na posse o licenciado Pedro da Fonseca Pacheco que também não terá tido descendentes a não ser o bastardo Diogo da Fonseca Pacheco, mais tarde reconhecido, e herdeiro do morgado, que casou com D. Francisca Barradas da vila de Sendim. Depois de viúvo ordenou-se padre e conseguiu alcançar um breve do papa Inocêncio 12.º para poder haver jubileu na capela do seu solar no dia de Santo António. Seu filho Pedro da Fonseca Barradas foi o herdeiro do morgado, o qual casou com D. Maria de Almeida Rebelo, senhora do morgado de N. Senhora do Repouso da Vila da Rua que por esta via se uniu ao morgado de Santo António de Leomil.
João da Fonseca Barradas, que casou com D. Maria Clara de Araújo e Melo, foi o herdeiro que se seguiu. Por ter falecido o seu filho primogénito, foi o segundo filho que herdou o morgado, Pedro Belarmino da Fonseca Barradas e Araújo, o qual casou com D. Clara Maria Joaquina de Magalhães Coutinho da Silveira. Outros herdeiros se seguiram até que no século XIX o morgado foi parar às mãos de Julião Sarmento de Vasconcelos e Castro, fidalgo da Casa Real, que tinha solar em Paradinha mas residia no de Santo António de Leomil. Este, em 1852, copiou um livro genealógico da autoria do seu irmão, Jácome Luís Sarmento de Vasconcelos e Castro, matemático e astrónomo que leccionava na Universidade de Coimbra. Mais tarde ainda, o solar viria a ser propriedade do Dr. António Ferreira da Fonseca Sèves que presidiu à Câmara de Moimenta da Beira e hoje é posse dos seus herdeiros.
Este solar não mantém a traça original. Sabe-se que tinha brasão. As colunas que servem de reentrância à escadaria interna alpendrada e a capela adoçada ao edifício são alguns dos poucos vestígios da primitiva traça. Não se sabe a data da sua remodelação e restauro mas é possível que tenha ocorrido por ocasião da edificação do portal que dá acesso à enorme quinta interior, no local designado “Fonte Igreja”, isto é, em 1742, de acordo com a data que o mesmo contém. Trata-se de um portal barroco com um frontispício mais simples mas com elementos da mesma gramática arquitectónico-decorativa do portal do solar leomilense dos viscondes de Balsemão. Foi certamente edificado pelos mesmos canteiros.
O Barroco foi um período estilístico e filosófico da História da sociedade ocidental, inspirado no fervor religioso e na passionalidade da Contra-Reforma, ocorrido desde meados do século XVI até ao século XVIII. O termo "barroco" advém da palavra portuguesa homónima que significa "pérola imperfeita", ou, por extensão, jóia falsa. A arte barroca procurou comover intensamente o espectador. A grande riqueza de detalhes nos ornamentos presente neste portal e o contraste com a simplicidade do interior, bem como o desenvolvimento horizontal do frontispício e a esfera central com data sobrepujada por remates de grande volumetria e engenho são características típicas deste estilo arquitectónico. A existência deste portal num local distante da entrada para o solar, bem como a existência de uma grande janela de avental ao lado e as enormes muralhas de três ou mais metros de alto enquadram-se também neste objectivo de impressionar a vista.

Autor: Jaime Ricardo Gouveia

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