segunda-feira, 11 de abril de 2011

Um documento histórico para Moimenta da Beira sobre o pelourinho!

Pensou-se e propalou-se, durante muito tempo, e ainda hoje há resquícios dessa ideia, que Moimenta da Beira não tinha história. Tinha sido, até ao século XVIII, tão-somente, uma freguesia do couto de Leomil e, portanto, pertencia a este concelho. Isso é verdade na Idade Média, mas não o é na Época Moderna. O primeiro a tentar lutar contra esta ideia com o intuito de a desfazer foi Monsenhor A. Bento da Guia. Mas, mesmo ele, considerava que Moimenta da Beira só se tinha alcandorado com as honras de concelho quando se extinguiu o de Leomil, isto é, em meados do século XIX. Os meus estudos provaram o contrário e, ainda em vida, Monsenhor A. Bento da Guia transmitiu-me a sua satisfação pelo resultado das minhas descobertas, quer pessoalmente, quer na sessão pública do lançamento da monografia da vila de Leomil. O concelho de Moimenta da Beira foi criado não apenas quando se extinguiu o de Leomil mas sim quando foi extinto o couto de Leomil por ocasião da morte da condessa de Marialva sem descendentes, no século XVI, passando todas as propriedades senhoriais da família para a Coroa. Foi então que o maior Couto do Reino se desfez, e foi por essa ocasião também que a Coroa, agora proprietária, concedeu o dízimo das suas terras a determinadas instituições. Para dar um exemplo, o dízimo de Leomil foi pertença do mosteiro de Salzedas e da Sé Patriarcal de Lisboa, enquanto que o dízimo de Moimenta da Beira foi concedido à Universidade de Coimbra, a qual, por sua vez, se encarregava das obrigação, e não apenas direitos, de padroado.

Uma vez que a Universidade de Coimbra recebia os dízimos do concelho de Moimenta da Beira, já existente pelo menos desde o século XVI, teve a necessidade de tombar, isto é, colocar em tombo, uma relação exacta desses bens, com o fim de nenhum se perder. Esse processo de tombamento de bens ocorreu ao longo de toda a época moderna. Sabe-se ter existido um tombo do século XVII e há notícia de um tombo do século XVIII. Neste último foram tombados os bens dos concelhos de Moimenta da Beira, Castelo, Nagosa, Caria, entre outros. Neles há uma descrição precisa das confrontações entre as várias localidades, como o objectivo de se perceber onde confinava o dízimo de umas e outras. Nesse processo de delimitação dos dízimos foram seguidos escrupulosamente os limites antigos, representados por cruzes em fragas, penedias e paredes, e colocaram-se limites da época para assinalar o processo demarcatório, os quais eram de pedra lavrada de cantaria com robustas siglas VDE, abreviatura de “Universidade”. É por isso que bem perto de alguns desses marcos existem cruzes antiquíssimas.

Este processo de tombamento de bens não se restringia a propriedades fundiárias. A Universidade de Coimbra tinha também outro tipo de bens emprazados dentro das localidades que lhe deviam o dízimo. Era o caso de casas, palheiros, pardieiros e outros bens imóveis. Os rendeiros encontravam-se vinculados à Universidade por um contrato designado de prazo que, ao estilo medievo, podia estar consignado para diversas vidas, transcorrendo, assim, várias gerações. Em Moimenta da Beira eram vários os indivíduos que tinham na sua posse bens da Universidade, emprazados, pelos quais pagavam certas quantias de dinheiro. Quando no século XVIII a Universidade de Coimbra decide tombar todos os seus bens, inclui estes prazos e coloca neles os mesmos marcos de pedra lavrada de cantaria com letras VDE. É por isso que, ainda hoje, se encontram muitos destes marcos nalgumas casas, em parcelas de terreno dentro das localidades, e ainda nos adros e nas próprias igrejas matrizes, tal como aconteceu nas redondezas das igrejas de Moimenta e Paradinha. Tudo o que era propriedade sobre a qual incidia tributo pago à Universidade de Coimbra levou, no século XVIII, com a chancela VDE da Universidade do Mondego.

É numa destas demarcações de uma casa sita no centro histórico da vila de Moimenta da Beira, que encontrei a mais antiga referência conhecida ao pelourinho do concelho. Trata-se de uma descoberta importante pois quando me embrenhei na tarefa de dar a conhecer ao povo de Moimenta da Beira a memória do seu desaparecido pelourinho, houve quem, com cepticismo, duvidasse que Moimenta da Beira tinha possuído essa prova da ancestralidade do município. E se passou a ser um dado adquirido que Moimenta de facto teve pelourinho, pelas fontes do século XIX e XX existentes, a verdade é que se duvidava da existência do pelourinho em séculos anteriores. Sempre foi a minha convicção e intuição de que o pelourinho de Moimenta era bastante antigo. A verdade é que encontrei o documento que faltava para o provar. Segue-se a sua transcrição, em linguagem da época, como manda a Paleografia, ciência auxiliar da História que se dedica ao estudo e transcrição de documentos históricos:

“Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil e setecentos e sincoenta e dous annos aos quinze dias do mês de Maio do dito anno nesta villa de Muymenta da Beyra comarca de Lamego junto ao polourinho da praça honde veyo o Doutor Thomas Gregorio de Carvalho juis dos tombos e demarcaçoens dos bens e fazendas da Universidade de Coimbra no destrito da Beyra Alta com Alçada por sua Magestade que Deos guarde etc. comigo escrivão e mais offeciaes do tombo e juntamente Francisco Xavier de Vasconcelos Loureiro mordomo da Universidade e procurador della neste tombo e por elle foi dito a elle doutor juis do tombo que entre os mais bens que pertencem aos passaes da igreja matris de Sam Joam Baptista desta villa de que a Universidade he padroeira e directo senhorio que vieram pera ella do conde de Marialva dos quoaes os senhores reis deste reyno lhe fizeram mercê como constava dos documentos e bullas apostólicas que se acham no cartório da mesma Universidade de que ella por seos rendeiros da renda que tem nesta villa desde tempo immemorial recebe os foros e dízimos de todos os frutos desta freguesia e suas anexas bem assim hera hum prazo de huma caza de sobrado com sua logea neste citio que huma Brazia Gonçalves viúva desta villa reconheceo na certidam do tombo antigo feito no anno de mil e seis centos e quatro livro primeiro folhas cento e trinta e duas […].

“Item huma caza de sobrado com sua logea e escada de pedra e seu piqueno rexio e seu cuberto pera a banda do norte digo poente no citio junto ao polourinho da praça desta villa na viella que vay do polourinho pera a capella da Senhora do Amparo e a entrada servintia da dita caza he pella dita viella e he telhada forrada e cayada por dentro e esta reedificada e tem sua jenella de acentos pera o poente sobre a dita viella e partem do nascente com cazas de Jose de Sarmento de Vasconcelos do lugar de Paredinha e do sul e poente com cazas do dito padre António Botelho e do norte partem com a dita viella. E sendo medidas por dentro tem do norte ao sul e pella banda do poente seis varas e quarta e do nascente o poente pella banda do sul tem de largo três varas e meia e do sul ao norte pello nascente tem seis varas e quarta // e pella banda do norte junto a porta da entrada tem de largo três varas e mea e todas as varas sam craveiras de sinco palmos e medidas em vam fora a grosura das paredes e na torça da porta se fizeram letras VDE que querem dizer Universidade e junto a escada no rexio pertencente a este prazo com pregam do porteiro se pregou hum marco com suas testemunhas que he de pedra lavrada de cantaria de sinco palmos de cumprido e palmo e meyo de largo com letras VDE […]”.

A nossa sede de concelho merecia esta reposição da memória. A História não deve ser utilizada abusivamente por uns e outros apenas para contar estórias transmitidas de boca em boca ao longo das gerações. A recuperação da memória pode e deve ter uma influência no presente, tal como aconteceu com a construção da réplica do pelourinho, hoje existente no terreiro das freiras, para que os de fora saibam que os de cá se preocupam com a História.

Publicado na última Edição do Jornal Terras do Demo

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