sábado, 30 de março de 2013

Porto da Nave


Porto da Nave, eis um nome curioso. Porto significa confluência, extremidade, passagem, para a Nave. Nave significa altiplano. É palavra antiga, de origem ibérica, ligúrica ou êuscara (basca), anterior à romanização e que portanto existe em Português como nave ou nava; em Italiano, nava; em Francês, nave e nef; no Espanhol, nava, em todas as línguas significando planície em região montanhosa ou não, acepção que é possível ainda encontrar em Vila Franca das Naves ou em Nave de Haver, no distrito da Guarda.
Asseverou o padre Joaquim de Azevedo que Porto da Nave fica no alto da serra de onde se descobrem muitos montes, que em tempos se podiam lavrar, ainda que frios e desabridos. Pão se semeava aqui muito. Hoje a folha de pão transformou-se em pradaria verde com cintilações prateadas das águas frias que brotam daí mesmo.
Urgueiras havia-as em todas as léguas, assim como tojos, carquejas e giestas. Foi sempre terra de fauna díspar: cabras, ovelhas, porcos, vacas, bois, muita caça, lebres, coelhos, perdizes, rolas, raposas e lobos.
            Apesar de lugar rústico, cimentado nos píncaros serranos, o povo é religioso, aí venerando N. Senhora de Fátima, com festividade no segundo Domingo de Agosto.
Não é muito difícil imaginar nesta localidade, o íncola, séculos antes, no seu quotidiano, a matar coelhos à moca e a queimar cepas nas querruvinhas dos montes; abrigando-se da neve ou da chuva com uma capucha pelas frontes ou palhoça pelos ombros, polainas até às coxas, socos de empenhas dobradas a desfilar por este solo bravio; de sacho erguido, a saltar paredes, furar pinheirais, canchar alpondras, esbarrondar açudes, encher os talhadoiros atidos ao seu cuidado; pinchar escalões, fragas e estrumeiras; despedir sacholadas em gatos ociosos que se engalfinhavam nos mios; alapar e esgrilar aos ecos de tamancadas sobre as lajes das corgas; continuar nas quelhas fora perseguindo as sombras rasteiras que buliam nos chavascais….
Esta é verdadeiramente uma terra que frequentemente desperta ensonada nos nevoeiros matinais típicos da sua situação altaneira, qual pastora na serra, à medida que a luz, de búzia e carugenta, se torna nítida. Ouvem-se ainda os espaçados més doloridos de gados encurralados ou alegres da fartura; roncares de jumentos, chios de carros belgas fora, campainhas telintando telintares finos como pedrinhas a fazer “cloque” quando derramadas sobre águas sornas.  
Pelo exposto, a breve trecho, Porto da Nave é uma das janelas preciosas que melhor nos atira as vistas para o impressionismo das telas paisagísticas do que melhor estético o concelho tem. E se na invernia é o belo horrível que aqui se nos depara, com as faíscas a dardejarem o solo rebombando em tempestades dos tempos de Noé, no Verão presenteia-se-nos um panorama de noites perfumadas e mornas, sob a farinhada da lua, alvoradas de rosas logo que os ponteiros alcançam as quatro horas, e raios soalheirentos com feixes que parecem ficção.

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