Porto
da Nave,
eis um nome curioso. Porto significa confluência, extremidade, passagem, para a
Nave. Nave significa altiplano. É palavra antiga, de origem ibérica, ligúrica
ou êuscara (basca), anterior à romanização e que portanto existe em Português
como nave ou nava; em Italiano, nava; em Francês, nave e nef; no Espanhol,
nava, em todas as línguas significando planície em região montanhosa ou não, acepção
que é possível ainda encontrar em Vila Franca das Naves ou em Nave de Haver, no
distrito da Guarda.
Asseverou o padre Joaquim de Azevedo que
Porto da Nave fica no alto da serra de onde se descobrem muitos montes, que em
tempos se podiam lavrar, ainda que frios e desabridos. Pão se semeava aqui
muito. Hoje a folha de pão transformou-se em pradaria verde com cintilações
prateadas das águas frias que brotam daí mesmo.
Urgueiras havia-as em todas as léguas,
assim como tojos, carquejas e giestas. Foi sempre terra de fauna díspar:
cabras, ovelhas, porcos, vacas, bois, muita caça, lebres, coelhos, perdizes,
rolas, raposas e lobos.
Apesar de lugar rústico, cimentado
nos píncaros serranos, o povo é religioso, aí venerando N. Senhora de Fátima,
com festividade no segundo Domingo de Agosto.
Não é muito difícil imaginar nesta localidade,
o íncola, séculos antes, no seu quotidiano, a matar coelhos à moca e a queimar
cepas nas querruvinhas dos montes; abrigando-se da neve ou da chuva com uma
capucha pelas frontes ou palhoça pelos ombros, polainas até às coxas, socos de
empenhas dobradas a desfilar por este solo bravio; de sacho erguido, a saltar
paredes, furar pinheirais, canchar alpondras, esbarrondar açudes, encher os
talhadoiros atidos ao seu cuidado; pinchar escalões, fragas e estrumeiras;
despedir sacholadas em gatos ociosos que se engalfinhavam nos mios; alapar e
esgrilar aos ecos de tamancadas sobre as lajes das corgas; continuar nas
quelhas fora perseguindo as sombras rasteiras que buliam nos chavascais….
Esta é verdadeiramente uma terra que frequentemente
desperta ensonada nos nevoeiros matinais típicos da sua situação altaneira,
qual pastora na serra, à medida que a luz, de búzia e carugenta, se torna
nítida. Ouvem-se ainda os espaçados més
doloridos de gados encurralados ou alegres da fartura; roncares de jumentos,
chios de carros belgas fora, campainhas telintando telintares finos como
pedrinhas a fazer “cloque” quando derramadas sobre águas sornas.
Pelo exposto, a breve trecho, Porto da
Nave é uma das janelas preciosas que melhor nos atira as vistas para o
impressionismo das telas paisagísticas do que melhor estético o concelho tem. E
se na invernia é o belo horrível que aqui se nos depara, com as faíscas a
dardejarem o solo rebombando em tempestades dos tempos de Noé, no Verão
presenteia-se-nos um panorama de noites perfumadas e mornas, sob a farinhada da
lua, alvoradas de rosas logo que os ponteiros alcançam as quatro horas, e raios
soalheirentos com feixes que parecem ficção.
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