Padres solicitantes em confissão denunciados à Inquisição
O delito de solicitação era um dos vários crimes sobre os quais o temido Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, tinha jurisdição, conferida por sucessivas bulas papais, segundo as quais este crime ocorria quando o confessor requeria ou seduzia a sua penitente para a consumação de actos carnais, isto é, de natureza sexual. Tal poderia acontecer imediatamente antes, durante ou depois da confissão, nos lugares em que era costume ouvir de confissão, ou ainda nos casos em que ambos simulavam a administração do sacramento para a consumação desses actos, evidenciadores de heresia.
Bárbara, solteira, de 21 anos, natural e moradora em Longa, despoletou uma denúncia que chegou à Inquisição de Coimbra em 13 de Abril de 1717. Há um ano atrás ter-se-ia deslocado em romaria a S. Pedro das Águias e por ter entrado no referido convento, entendera que tinha incorrido em excomunhão. Regressada a Longa, procurou o abade da mesma localidade e irmão do padre de Barcos notário da Inquisição, o qual estava de cama, molestado. Contando-lhe o sucedido, logo ele lhe afiançou que era motivo para excomunhão, pelo que imediatamente deveria confessar-se. Fazendo-o ela, e já depois de absolvida, em pé, ele lhe disse algumas palavras impróprias e “lhe puzera huma mão no hombro esquerdo della penitente e lhe dissera: Deus a faça santa. […].”
Bárbara ficara ainda mais desinquieta. Foi então que passando pela sua localidade frei Simão da Soledade, missionário apostólico, decidiu confessar-lhe o sucedido, ao que este retorquiu ser matéria da jurisdição da Inquisição. Formulada a denúncia ao tribunal conimbricense, este órgão notificou o agente que mais próximo desse local tinha, isto é, o abade da Pesqueira. Este, elegendo como escrivão da diligência o padre de Nagosa, Bernardo da Rua Botelho, dirigiu-se à igreja de S. Pedro de Longa e aí inquiriu vários homens acerca do caso. Todos conferiram crédito à palavra da penitente solicitada.
De Longa, anos depois, chegaria ao Santo Ofício nova denúncia. Desta feita o acusante era o padre de Sendim, António Fernandes, que em nome da penitente Cristina de Seixas, moça solteira de 40 anos que vivia de suas fazendas, acusava o padre Nicolau Ferreira de ter solicitado a sobredita. O acusado, na altura da denúncia, 17 de Março de 1736, tinha já a seu cargo a paróquia de Segões. A Inquisição ordenou então ao seu agente mais próximo que era o vigário de Fonte Arcada, que procedesse a averiguações. Cristina jurou ter sido solicitada para acções desonestas no decurso da confissão há 7 anos atrás.
Olhando agora para Peva, em 8 de Novembro de 1741, foi efectuada uma denúncia por carta, contra o padre dessa paróquia, Manuel dos Reis. Segundo a mesma, tinha solicitado em confissão Ana, solteira, de 33 anos, sua paroquiana. Apurado o crédito da testemunha, todos os inquiridos afirmaram ser ela de “boa vida e custumes e de bom credito fama e reputassam está tida e avida por verdadeira”.
Outras denúncias de solicitação aconteceram nesta região. Foi o caso daquela que fez em 4 de Julho de 1746 o padre de Fonte Arcada, contra o padre Diogo do Amaral, natural do Carregal, e cura de Penso, termo da vila da Rua. Segundo alegava, o acusado tinha solicitado Luísa de S. José, solteira, 43 anos, do lugar de Penso “com tocamentos muy torpes, feios e deshonestos emmediatem ante et post in confessionem e isto muitas vezes sendo elle o provocante”. Foi também o caso daquela que chegou à Mesa da Inquisição em 22 de Setembro de 1746 por mãos de um padre em nome de Joana Baptista, solteira, de 20 anos. Nela acusava o padre Veríssimo Rebelo, natural de Baldos e cura de Cabaços de a ter solicitado dizendo-lhe: “Quem a mandou cá vir? Não sabe o meu intento? Pois não sabe que a hei-de lograr?” É evidente que por vezes a Inquisição era um campo de batalha onde se jogavam interesses muito diversos, sendo difícil ao historiador, mesmo tendo acesso aos documentos que à época eram secretos, ajuizar sobre a falsidade ou não das denúncias. Sabe-se que neste caso o padre acusado escreveu uma carta em sua defesa dizendo “e não foi senão por odio que ellas tinhão ao dito padre pellas aver comdemnado em dois mil reis por averem travalhado em hum dia santo”.
Como tantos milhares de denúncias do género, estas ficaram apensas nos Cadernos dos Solicitantes da Inquisição à espera que lhe acrescessem mais provas, pois segundo o Regimento deste Tribunal, apenas seria processado o solicitante que tivesse contra si duas ou mais denúncias. Consultei estes documentos e outros idênticos na passada semana no Arquivo Nacional, em Lisboa. Tratam-se de fontes inéditas merecedoras de estudo.
O delito de solicitação era um dos vários crimes sobre os quais o temido Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, tinha jurisdição, conferida por sucessivas bulas papais, segundo as quais este crime ocorria quando o confessor requeria ou seduzia a sua penitente para a consumação de actos carnais, isto é, de natureza sexual. Tal poderia acontecer imediatamente antes, durante ou depois da confissão, nos lugares em que era costume ouvir de confissão, ou ainda nos casos em que ambos simulavam a administração do sacramento para a consumação desses actos, evidenciadores de heresia.
Bárbara, solteira, de 21 anos, natural e moradora em Longa, despoletou uma denúncia que chegou à Inquisição de Coimbra em 13 de Abril de 1717. Há um ano atrás ter-se-ia deslocado em romaria a S. Pedro das Águias e por ter entrado no referido convento, entendera que tinha incorrido em excomunhão. Regressada a Longa, procurou o abade da mesma localidade e irmão do padre de Barcos notário da Inquisição, o qual estava de cama, molestado. Contando-lhe o sucedido, logo ele lhe afiançou que era motivo para excomunhão, pelo que imediatamente deveria confessar-se. Fazendo-o ela, e já depois de absolvida, em pé, ele lhe disse algumas palavras impróprias e “lhe puzera huma mão no hombro esquerdo della penitente e lhe dissera: Deus a faça santa. […].”
Bárbara ficara ainda mais desinquieta. Foi então que passando pela sua localidade frei Simão da Soledade, missionário apostólico, decidiu confessar-lhe o sucedido, ao que este retorquiu ser matéria da jurisdição da Inquisição. Formulada a denúncia ao tribunal conimbricense, este órgão notificou o agente que mais próximo desse local tinha, isto é, o abade da Pesqueira. Este, elegendo como escrivão da diligência o padre de Nagosa, Bernardo da Rua Botelho, dirigiu-se à igreja de S. Pedro de Longa e aí inquiriu vários homens acerca do caso. Todos conferiram crédito à palavra da penitente solicitada.
De Longa, anos depois, chegaria ao Santo Ofício nova denúncia. Desta feita o acusante era o padre de Sendim, António Fernandes, que em nome da penitente Cristina de Seixas, moça solteira de 40 anos que vivia de suas fazendas, acusava o padre Nicolau Ferreira de ter solicitado a sobredita. O acusado, na altura da denúncia, 17 de Março de 1736, tinha já a seu cargo a paróquia de Segões. A Inquisição ordenou então ao seu agente mais próximo que era o vigário de Fonte Arcada, que procedesse a averiguações. Cristina jurou ter sido solicitada para acções desonestas no decurso da confissão há 7 anos atrás.
Olhando agora para Peva, em 8 de Novembro de 1741, foi efectuada uma denúncia por carta, contra o padre dessa paróquia, Manuel dos Reis. Segundo a mesma, tinha solicitado em confissão Ana, solteira, de 33 anos, sua paroquiana. Apurado o crédito da testemunha, todos os inquiridos afirmaram ser ela de “boa vida e custumes e de bom credito fama e reputassam está tida e avida por verdadeira”.
Outras denúncias de solicitação aconteceram nesta região. Foi o caso daquela que fez em 4 de Julho de 1746 o padre de Fonte Arcada, contra o padre Diogo do Amaral, natural do Carregal, e cura de Penso, termo da vila da Rua. Segundo alegava, o acusado tinha solicitado Luísa de S. José, solteira, 43 anos, do lugar de Penso “com tocamentos muy torpes, feios e deshonestos emmediatem ante et post in confessionem e isto muitas vezes sendo elle o provocante”. Foi também o caso daquela que chegou à Mesa da Inquisição em 22 de Setembro de 1746 por mãos de um padre em nome de Joana Baptista, solteira, de 20 anos. Nela acusava o padre Veríssimo Rebelo, natural de Baldos e cura de Cabaços de a ter solicitado dizendo-lhe: “Quem a mandou cá vir? Não sabe o meu intento? Pois não sabe que a hei-de lograr?” É evidente que por vezes a Inquisição era um campo de batalha onde se jogavam interesses muito diversos, sendo difícil ao historiador, mesmo tendo acesso aos documentos que à época eram secretos, ajuizar sobre a falsidade ou não das denúncias. Sabe-se que neste caso o padre acusado escreveu uma carta em sua defesa dizendo “e não foi senão por odio que ellas tinhão ao dito padre pellas aver comdemnado em dois mil reis por averem travalhado em hum dia santo”.
Como tantos milhares de denúncias do género, estas ficaram apensas nos Cadernos dos Solicitantes da Inquisição à espera que lhe acrescessem mais provas, pois segundo o Regimento deste Tribunal, apenas seria processado o solicitante que tivesse contra si duas ou mais denúncias. Consultei estes documentos e outros idênticos na passada semana no Arquivo Nacional, em Lisboa. Tratam-se de fontes inéditas merecedoras de estudo.
Publicado no Jornal Terras do Demo de 15/09/2009
4 comentários:
Curiosos de coisas de outros tempos????
Que tal esta exposição do antigamente!
https://www.blogger.com/comment.g?blogID=18644310&postID=113527072666580302&isPopup=true
Boa noite,
Parabéns jaime pelas grandes crónicas.
Abraço
Sr Dr. Leio às vezes os seus artigos do Terras do Demo. Gostei especialmente deste. Hoje tambem ha para ai muitos padres destes. A Igreja sempre esteve ligada à escandaleira. Mas na confissão não fazia ideia.
interessantissmo ver como se lidava com estas situaçoes na idade media...Excelente cronica,
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