Alcandorado no sopé do planalto da Nave na Serra de Leomil o concelho de Moimenta da Beira está implantado numa zona granítica de transição e paisagem tipicamente beiraltinas com laivos do Douro. Na mancha serrana, tipicamente da Beira, e ribeirinha de águas vertentes para o Douro, instalaram-se sucessivas civilizações.
Pré-história e Proto-história (c. 2,5 milhões de anos a.C.- c. 4000 a.C.) – É sobretudo nos locais sertanejos da serra (Necrópole megalítica da Nave) que existe a maior quantidade de vestígios da pré-história, sobretudo relativas ao neolítico. Orcas, Dólmenes, Antas, menires, e tantos artefactos que foram encontrados nessas escavações. Relativamente à proto-história vários povos aqui se fixaram, como se comprova pelos vários povoados descobertos no concelho.
Idade Antiga (c. 4000 a. C – c. 395/476 d. C.) - Da Idade Antiga conhece-se a fixação romana pelas várias vias construídas neste concelho (ex. via romana de Carapito em direcção a Aldeia de Nacomba) e pela descoberta de inúmeros vestígios arqueológicos que assinalam a existência de um aglomerado populacional romano significativo na freguesia da Rua, denominado Rochela ou Arrochela. Esta presença massiva dos romanos nesta região haveria de influenciar a arquitectura funcional do período medievo, bem visível na edificação de uma ponte românica em Ariz, assim como a permanência do latim que influenciou, entre outras coisas, o nome Paçô, que deriva de Palatium e, mais tarde, na centúria de oitocentos, as inscrições de mais de uma centena de marcos da Universidade de Coimbra, a recebedora dos dízimos das paróquias de que era padroeira.
No século I da era cristã, o povo semita dispersou-se pelo império romano e instalou-se no couto de Leomil, um espaço integrador, multi-étnico e multi-religioso. Deu-se a essa comunidade o nome de Semitela. Na transição da Idade Antiga para a Idade Média, ocorreram as invasões bárbaras na Península Ibérica, tendo-se aqui fixado sobretudo os suevos e os visigodos. Da sua presença crê-se que os abrigos naturais existentes na serra possam ter sido por eles usados nesse período.
Idade Média (c. 476 d. C. – c. 1453) – Em 711 os Muçulmanos iniciam a conquista da Península Ibérica. Nos inícios do segundo milénio sobressai a figura de Hajib Almançor que entra pelas terras da actual Beira e degola todas as freiras do mosteiro de Arcas, já existente no século VI, e toma Lamego, Trancoso e Viseu. Destrói o castelo de Alcaria (Caria) e provavelmente o da vila Leomiri (Leomil) e Lobozaim (hoje Castelo Nagoza). No século XI, na sucessão readministrativa do território cristão, o conde D. Henrique e D. Teresa concederiam privilégios a várias povoações desta região. Entre elas, destaca-se a concessão de Lamosa (Caria) a Paio Mendes casado com Maria Garcia da estirpe do couto de Leomil e Garcia Rodrigues, filho de D. Rodrigo, senhor da honra de Fonseca e S. Martinho de Mouros, recebe o Couto de Leomil. É ainda deste período medievo, recorde-se, que datam as várias sepulturas escavadas na rocha que abundam no concelho.
Na Monarquia Luzitana, frei António Brandão garante que o Infante D. Henrique passou os anos da meninice “nas quintas de Cresconhe” onde recebeu treino militar de Egas Moniz que conjuntamente com seu irmão Mem Moniz era senhor da Honra de Caria e de muitos outros territórios na região de Lamego. Fora inclusivamente a sua viúva que fundou o mosteiro das Salzedas. Mais tarde, seria nas cortes de Lamego que o título de rei lhe viria a ser confirmado e, já rei, confirmaria a carta de couto de Leomil.
O couto de Leomil e a honra de Caria eram, por então, as povoações mais importantes com notória predominância de Leomil. Dada como couto aos irmãos cavaleiros D. Paio Rodrigues e Garcia Rodrigues, como recompensa dos serviços prestados na árdua empresa da reconquista logo trataram de dotar esse espaço de alguns privilégios como engodo para agilizar e apressar o processo de ocupação sistemática do território. Logo depois, Garcia Rodrigues outorga foral a Leomil que passa a ser designado de vila e concelho.
As alianças matrimoniais dos couteiros herdeiros com a família Fonseca e o facto de se afirmarem como bons cavaleiros, permitiu-lhes entrar ao serviço do infantado da Coroa, conseguindo doações e aumentando ainda mais o seu património. Passaram a ser designados de “coitinhos” em alusão ao pequeno senhorio de Leomil, couto pequenino, aumentado-o de tal forma que no século XIV viria a ser o maior no Reino com 276 km2.
Nesse espaço os Coutinhos detinham um poder considerável que se materializava na picota erguida perto do Outeiro em Leomil, onde existe uma fonte com o mesmo nome.
Idade Moderna (c. 1453/1492 – c. 1789) – Praticamente todas as povoações que integram hoje o concelho de Moimenta da Beira já existiam na Idade Média. A Idade Moderna foi, contudo, um período de profundas transformações urbanísticas e arquitectónicas, sobretudo nos centros mais importantes, nomeadamente em Leomil, Moimenta e Rua. Uma das muitas relíquias históricas, passíveis de contemplação, esta na transição da Idade Média para o período moderno, é o convento franciscano de Caria/Rua que terá sido o primeiro da Congregação da Ordem Terceira Regular em Portugal, erigido na Quinta do Ribeiro. Aí se fundou o convento em 1443.
No século XVI as praças cívicas e políticas são readaptadas ou construídas noutros locais. Em Moimenta da Beira cria-se o terreiro das freiras à sombra do convento beneditino aí fundado em 1598 por Fernão Mergulhão. Da invocação de N. Sra. da Purificação é de traça maneirista, barroca e rococó. Nesta altura também é edificado o pelourinho do estilo bola, e a casa da Moimenta. Em Leomil, os serviços administrativos do concelho passam do Outeiro para a praça onde se ergue um robusto pelourinho do estilo gaiola (imóvel de interesse público desde 11-10-1933), e é construída a casa da Câmara que ainda hoje mantém grande parte da traça original, com destaque para a esbelta varanda alpendrada apoiada em duas severas colunas dóricas. Na Rua, que se desmembra de Caria, aparece aquele que é o único monumento classificado como de interesse nacional existente no actual concelho de Moimenta da Beira, desde 1915. Filia-se ao estilo tabuleiro e possui característica do estilo estravagante.
No século XVI-XVII destaca-se a construção do solar dos Lucenas-Mergulhões em Leomil. O edifício encontra-se hoje arruinado mas mantém ainda uma bela janela balconada em esquina, sustentada por uma magnífica coluna cilíndrica com base fuste e capitel jónico de duas volutas, encimados por uma pronunicada gárgula.
Durante o século XVIII, e espelhando a plêiade de famílias que se fixam no actual concelho de Moimenta da Beira (Morais Sarmentos, Carvalhais, Guedes, Menas, Falcões, Almeidas, Gouveias), são edificados solares de vetusto aspecto, dos quais convém destacar o solar das Guedes, palacete de arquitectura civil privada do século XVIII que pertence ao estilo rococó, e o solar dos Sarmentos, também setecentista, parcialmente destruído durante as invasões francesas. Destaque ainda para a bela Fonte da Pipa, da mesma centúria, de que se diz que quem beber dela cá fica.
Em Leomil dois edifícios são de ressaltar. Em primeiro lugar o solar dos Viscondes de Balsemão, setecentista, o qual se filia ao estilo barroco final já com laivos de rococó com um objectivo claro de comover e impressionar o espectador. De seguida, merece menção o solar da família Coutinho, edifício setecentista com pormenores artísticos notáveis, de onde sobressai a portentosa pedra de armas na confluência de duas fachadas.
No que respeita à arquitectura religiosa merece destaque o mosteiro de S. Torcato que regista uma devoção antiga, com uma romaria muito concorrida desde tempos remotos em virtude das competências milagreiras do santo. Neste contexto é forçoso referir ainda a igreja matriz de Santiago de Leomil. É provavelmente a mais antiga do concelho. Deve ter sido este templo um ponto de passagem das romarias que se realizavam a Compostela.
Idade Contemporânea (c.1789 – aos nossos dias) – Fustigado pelas invasões francesas, o actual concelho de Moimenta da Beira sofreu inúmeras transformações durante as lutas liberais, nomeadamente a extinção dos vários concelhos e respectiva incorporação no de Moimenta. O ideal liberal consolidou-se e nos fins do século XIX e inícios do século XX foram vários os moimentenses que comungaram do ideal republicano ajudando à implantação deste regime a nível nacional, regional e local.
Acrescem a todas estas referências outros imóveis, tal como outros patrimónios, nomeadamente o natural, o gastronómico e o humano. Nem todos foi possível referir, mas todos são importantes.
Publicado na última edição do Jornal Terras do Demo
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