sexta-feira, 9 de abril de 2010

«Crónica» - "A História da Nossa Terra"

O antigo concelho de Pera e Peva teve praça com Pelourinho e casa da Câmara!

Há alguns meses atrás fui confrontado com uma cortesia do então vice-presidente da Câmara Municipal de Moimenta da Beira, Dr. Luís Carlos. Depois de me chamar ao seu gabinete colocou-me em contacto com documentos de inestimável valor para a história do município, à guarda do cofre da autarquia, que até então eu não tinha consultado. Fiquei sensibilizado pois não é todos os dias que tal acontece. Entre esses está o foral do antigo concelho de Pera-Peva. Pela parte que me toca agradeço-lhe, assim como ao “tesoureiro” Sr. Manel que me facilitou a consulta dos mesmos. A grande descoberta que o estudo desses documentos me proporcionou só foi possível graças à atitude dos dois. O esparso que agora redijo para a sinalizar dedica-se a todos os moradores e emigrantes de Peravelha, Peva e Soutosa, verdadeiros amantes da sua terra e leitores assíduos destes Esparsos.
Peravelha (Pera – velha) é terra muito antiga (velha). Foi parte integrante do município de Pera e Peva que incluía Ariz. Há notícias desta terra desde os séculos mais remotos. Apenas para empregar um exemplo, cite-se um documento de 1334, no qual aparece como testemunha de um contrato celebrado na terra de Medelo um Gonçalo Pires, abade de Pera. Porém, já antes, por volta de 1321 se registou que os rendimentos da igreja de Pera-Peva revertiam para a tesouraria da Sé de Lamego.
Nos finais do século XV a ermida de S. Miguel do Castelo deixara de constituir o centro paroquial, deslocando-se para nascente e fixando-se em Pera, no sopé da Serra, constituída em matriz com o título de abadia. Curiosamente o abade titular era o cura de Ariz. Ao que tudo indica, a administração deste concelho em termos políticos tinha cabeça em Pera, muito embora na esfera eclesiástica as igrejas e ermidas fossem administradas de forma diferente. O título de abadia achava-se vinculado à Igreja de Pera (depois Peravelha), com direito a prover de cura as de Peva e Ariz. Sucedia, porém, que os titulares escolhiam frequentemente esta última para residência, por mais aprazível quanto a ares e paisagem e por isso se denominavam abades de Ariz. A história eclesiástica deste antigo concelho, sublinhe-se, é rica e convém estudá-la.
Na escritura de um prazo em Peravelha, cerca do ano de 1600, informa-se que Sebastião de Almeida detinha o ofício de tabelião público do concelho. Informa Gonçalves da Costa na sua história do bispado de Lamego que a cabeça do município se situava na vila de Soutosa, onde funcionava a casa da Câmara mas que em termos eclesiásticos o título de abadia assentava em S. Miguel de Pera. Não se sabe se terá sido sempre assim. Uma vez que os párocos residiam fora de Pera, a casa de feições antigas que se encontra contígua à Igreja de Peravelha (visível na imagem que apresento) poderá em tempos remotos ter servido de Câmara Municipal.
Em 1527, segundo o numeramento geral do Reino a população do concelho eram composta da seguinte forma: Soutosa tinha 25 moradores, Peva 28, Ariz 16, Peravelha 18, Carapito 7 e a Quintã da Nave 1. Em 1758, segundo os dados das Memórias Paroquiais, nota-se uma clara evolução numérica em relação a dois séculos antes. Peravelha tinha 73 fogos (famílias) e 240 almas (pessoas). No final desse século a povoação contava com 138 fogos e 262 almas. O concelho tinha juízes ordinários, vereadores e os restantes oficiais que era comum as Câmaras terem. Tinha ainda duas companhias de ordenança (unidades militares).
Além dos documentos já citados e das passagens marcantes da histórica das aludidas localidades, convém agora retornar ao meu ponto de partida. Sabe-se que Pera e Peva eram concelho. Presumia-se que pudessem ter tido pelourinho, mas nunca tal se tinha comprovado documentalmente. Eu próprio, no meu livro sobre os pelourinhos, asseverava ser necessário partir em busca de pistas mais concretas que nos conduzissem ao pelourinho de Pera e Peva. Eis que encontrei a prova! Finalmente! O aditamento ao foral manuelino deste antigo concelho no-lo diz literalmente. Por conseguinte, dado eu ter conhecimento da existência de alguns cépticos em matéria de pelourinhos que olham para “o seu” e não admitem a existência de mais nenhum espécime, aqui fica a transcrição do documento datado de 22 de Novembro de 1614, prova cabal do que acabo de afirmar, pois a História firma-se em documentos:
“Doutor Pero Godinho da Camara do dezembargo del rei noso senhor que por seu special mandado tenho cargo de prover com alçada sobre os bens dos concelhos e terças do dito senhor nas comarcas da Beira etc. faço saber que [...] mandei vir perante mim aos hoficiais da câmara da dita villa de Pera, a saber, Tome Francisquo e Domingos Lopes, juízes e Francisco Pires e Francisco Fernandes vereadores e Guaspar Simam procurador do concelho e Francisco Rebelo escrivam da camara com os quais e com outras pessoas antigas fes com ellas todas as deligensias que conforme ao regimento se devem fazer fazendo autos vendo husos antigos este foral tudo pera saber se o dito concelho tinha alguns bens, e feitas as ditas diligensias os achei e este comcelho de Pera ser del Rei noso senhor e todos os ofícios sam seus e sempre nele servem dous juízes, dous vereadores e hum procurador do concelho e a Camara tem jurdiçam na emleição de tal mete seis porteiros jurados e coadrilheiros, e tem a casa da audiencia e Camara e a cadea esta por baixo e tem huma praça com seu pelourinho e duas freguesias em volta [...].”

Resta agora saber a primitiva localização deste monumento e a sua feição.


Autor: Jaime Ricardo Gouveia

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