A Idade Média é, grosso modo, o período balizado entre c. 476 d. C. e c. 1453. Pouco se tem dito acerca da história deste período na nossa região. Existem, porém, factos históricos de relevo que não podemos olvidar. Realço, por exemplo o ano de 711, altura em que os Muçulmanos iniciam a conquista da Península Ibérica. Nos inícios do segundo milénio sobressai a figura de Hajib Almançor que entra pelas terras da actual Beira e degola todas as freiras do mosteiro de Arcas, já existente no século VI, e toma Lamego, Trancoso e Viseu. Destrói o castelo de Alcaria (Caria) e provavelmente o da vila Leomiri (Leomil) e Lobozaim (hoje Castelo Nagosa).
Segue-se, no século XI, outro facto marcante. Na sucessão readministrativa do território cristão, o conde D. Henrique e D. Teresa concederiam privilégios a várias povoações desta região. Entre elas, destaca-se a concessão de Lamosa (Caria) a Paio Mendes casado com Maria Garcia da estirpe do couto de Leomil e Garcia Rodrigues, filho de D. Rodrigo, senhor da honra de Fonseca e S. Martinho de Mouros, recebe o Couto de Leomil. Na Monarquia Luzitana, frei António Brandão garante que o Infante D. Henrique passou os anos da meninice “nas quintas de Cresconhe” onde recebeu treino militar de Egas Moniz que conjuntamente com seu irmão Mem Moniz era senhor da Honra de Caria e de muitos outros territórios na região de Lamego. Fora inclusivamente a sua viúva que fundou o mosteiro das Salzedas. Mais tarde, seria nas cortes de Lamego que o título de rei lhe viria a ser confirmado e, já rei, confirmaria a carta de couto de Leomil. Leomil viria a ser durante o período medievo o maior couto do Reino com 276 km2.
Muitos outros factos seriam de mencionar. Além dos factos existem os vestígios e monumentos. Entre eles, centro neste esparso o meu olhar nas várias sepulturas escavadas na rocha que abundam na região, alusivas ao período da Idade Média. As sepulturas escavas na rocha constituem um dos vestígios arqueológicos mais abundantes na região de Viseu e cuja desvalorização tem vindo a ser invertida com a publicação de vários levantamentos no distrito de Viseu de âmbito concelhio. Acompanhando a valorização destas sepulturas rupestres tem havido também uma preocupação em publicar as campas de forma exaustiva, isto é, indicando o número de exemplares por estação, a sua tipologia, orientação e dimensões.
Os estudos sobre sepulturas escavadas na rocha começaram em Portugal na segunda metade do século XIX. Desde então tem-se conhecido avanços notáveis no que respeita à clarificação da história que encerram estes monumentos, vistos desde sempre como “covas das mouras”, associados a locais mágico-supersticiosos. Depois dos iniciais trabalhos de José Leite de Vasconcelos, Francisco Martins Sarmento, Félix Alves Pereira e Vergílio Correia, a que se juntaram depois os importantes estudos de Carlos Alberto Ferreira de Almeida, Mário Jorge Barroca e Joaquim Cardoso Morais, estes túmulos têm sido considerados como um dos mais importantes testemunhos materiais das práticas funerárias altomedievais e do povoamento do período da Reconquista.
O facto de se terem encontrado tegulae romanas nas imediações de algumas destas necrópoles, ou de elas se situarem perto de templos antigos, significa que estes monumentos são bastante antigos e remontam geralmente a um período balizado entre o século VII/VIII e o século XI/XII. Segundo o pioneiro estudo de Alberto del Castillo, as sepulturas ovais, isto é não antropomórficas são as mais antigas e as antropomórficas (com feições humanas), ou de planta trapezoidal com cabeça pronunciada foram um modelo que evoluiu até ao século XII. Na fase final da utilização destas sepulturas rupestres começa a aparecer definido um bordo proeminente a toda a volta da cavidade tumular.
Na Faia, concretamente no sítio de Fornelos ou Quinta da Raposeira, a sudoeste da Faia, existe uma grande necrópole medieval que convinha assinalar e preservar. Intimamente relacionadas com os processos de Reconquista e Repovoamento estes monumentos, sob a forma de necrópole, denunciam a existência de uma comunidade próxima a este local com cerca de mil anos. Faia e Vilar teriam sido fundados por aqui na continuidade de alguns povoados proto-históricos.
Não muito longe, no adro da igreja paroquial de Fonte Arcada existem campas rupestres antropomórficas. Perto também, na freguesia da Rua, concretamente nas imediações da capela de S. João, existem sepulturas deste tipo. Significa isto que houve uma evolução de algumas das actuais localidades do povoamento ancestral já existente.
Olhando agora para o tipo de sepulturas rupestres da necrópole da Faia, cumpre verificar que eram 21 as sepulturas dispersas ao longo de um caminho, a maior parte não antropomórficas e algumas foram já destruídas. Foram escavadas na superfície rochosa de um montículo sobranceiro ao Távora. Alguns dos buracos continuam bem delineados, outros estão parcialmente corroídos. Dada a pluralidade de monumentos deste tipo neste local é crível que tenha existido um templo nas imediações ou não muito distante daí.
Apesar de serem na sua maioria não antropomórficas existem algumas que o são. As características morfológicas dos túmulos antropomórficos resultam de uma vontade clara em imobilizar a cabeça do defunto, para que esta se mantivesse com o rosto voltado para o exterior. As diferentes tipologias resultaram, provavelmente, do gosto de quem as mandou fazer, de quem as fez ou de um modelo regional mais utilizado.
Perto desta necrópole existe uma outra, também na Faia, no local conhecido como Corgo do Poio. Trata-se de uma necrópole com dez sepulturas numa zona de encosta bastante aplanada do vale do rio Távora, a norte de um pequeno afluente deste rio. São sepulturas não antropomórficas, na sua maioria rectangulares, provavelmente também com bem mais de mil anos.
São ambos locais que exigem novas investigações associadas ao povoamento da região e à descoberta da fundação destes povos que, como a Faia, têm muitas centenas de anos.
Publicado na última edição do Jornal Terras do Demo
Sem comentários:
Enviar um comentário