segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Praça Pública - Semanal

Direitos Humanos «Mário Soares»

Uma coisa são os direitos expressos num texto com a dimensão da Declaração Universal, outra a sua aplicação prática e a sua universalidade

O Mundo celebrou o 60.° aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, um dos textos internacionais, seguramente, mais importantes do século XX. Foi votado, com a abstenção dos países comunistas, em 10 de Dezembro de 1948, depois da Mensagem ao Congresso, enviada por Franklin Delano Roosevelt, em 6 de Janeiro de 1941, no auge da II Guerra Mundial – intitulada Quatro Liberdades (liberdade de expressão do pensamento, liberdade de religião, liberdade contra a miséria e liberdade contra o medo) – e da Carta das Nações, assinada em 6 de Junho de 1945, na cidade de S. Francisco.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos tem apenas 30 artigos mas é um texto de uma concisão e clareza de conceitos extraordinárias, que marcou a cultura política da segunda metade do século XX e que, no dizer de Robert Badinter, ex-presidente do Tribunal Constitucional francês, senador e membro do Comité de Apoio aos Human Rights Watch, de Paris, exprime «a dimensão moral do nosso tempo».
Houve, no entanto, desde início, dois pontos críticos relativamente à Declaração: o primeiro, o facto de não ser vinculativa (como é hoje a Carta de Direitos insita no Tratado de Lisboa, se chegar a ser ratificado); o segundo, a prioridade dada pelo então Bloco Soviético aos Direitos Económicos e Sociais, enquanto os americanos privilegiaram sempre os Direitos Cívicos e Políticos, o Direito à Propriedade e ao Livre Mercado...

Além disso, uma coisa são os Direitos expressos num texto com a dimensão da Declaração Universal, outra a sua aplicação prática e a sua universalidade. Num mundo multipolar de grande variedade de religiões e de culturas, a pretensão Ocidental de conferir um carácter universal à Declaração de Direitos Humanos, embora subscrita por todos os países membros das Nações Unidas, tem sido sempre contestada em nome do multiculturalismo.
Por outro lado, os Estados Unidos tiveram sempre «dois pesos e duas medidas» para avaliar a observância dos diferentes Estados à Declaração Universal. Portugal e Espanha, que foram considerados, no tempo da «guerra fria», «ditaduras benignas», e os governos militares da América Latina, impulsionados pela escola de Chicago, são exemplos desse duplo critério. As ditaduras amigas dos Estados Unidos eram «benignas» – mesmo a de Pinochet –, enquanto as situadas à esquerda, como a de Fidel Castro, eram obviamente «malignas»...

A crítica aos regimes totalitários do Leste, nos anos finais da «guerra fria», utilizou a «arma» dos Direitos Humanos – e dos dissidentes de Leste – para desacreditar os respectivos regimes. A campanha feita no Ocidente em favor de Sakharov – em que, aliás, participei activamente – foi um exemplo disso, de que não me arrependo, por ser justíssima.
Com a queda do Muro de Berlim e a implosão do universo comunista, a situação inverteu-se. Os Direitos Humanos – depois das invasões do Afeganistão e do Iraque e a chamada «guerra contra o terrorismo» – deixaram de interessar aos Estados Unidos, como hiperpotência militar. Guantánamo e Abu Ghraib desacreditaram o prestígio moral e político dos Estados Unidos no Mundo. A União Europeia, apesar de tudo, portou--se bem melhor no que respeita aos Direitos Humanos.

Com a derrota dos republicanos e a espectacular vitória eleitoral de Obama – que se situa na linha dos presidentes Lincoln e Roosevelt – voltaremos, seguramente, ao respeito dos Direitos Humanos e dos valores universalistas que vêm do Iluminismo, do Enciclopedismo, da independência americana e da Revolução Francesa.
Acredito que seja uma nova arrancada em favor da paz, dos Direitos Humanos, da defesa do planeta e da dignidade da pessoa humana, independentemente da cor da pele, do sexo, da condição social e das opções religiosas ou políticas, como valores universais. (Fonte:Visão)


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