segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Crónica História da Nossa Terra

A Orca Grande e a riqueza pré-histórica da Serra

As provas mais evidentes da ocupação humana remota do território que na actualidade corresponde ao concelho de Moimenta da Beira são os vestígios pré-históricos. Isso denuncia também a importância deste espaço, o qual tinha vários factores de atractividade para o homem que viveu no período do Paleolítico (paleo-polida; lítico – pedra: período da pedra polida). Já evoluído de nómada para sedentário, o homem do Paleolítico encontrou na nossa serra um habitat favorável à sua fixação: terra fértil para a prática da agricultura; flora multivariegada; fauna abonada; cursos de água em suficiência e um alti-planalto que ultrapassando largamente a cota dos 800 metros permitia condições de visibilidade imprescindíveis para a defesa do território.
Não há, ainda, vestígios significativos dos períodos mais remotos da pré-história na nossa serra. Entre finais do V milénio a.C. e inícios do IV milénio a.C. os vestígios materiais da presença humana vão-se multiplicar de forma muito significativa. Foi um momento em que as populações neolíticas que habitavam a região começaram a construir estruturas de cariz funerário e religioso bem identificáveis na paisagem: os dólmenes, também denominados de antas ou orcas.
Estes monumentos megalíticos foram construídos e/ou reutilizados parcialmente até ao II milénio a.C. Foi um longo período em que a sua arquitectura, os rituais e a sociedade em geral, passaram por vários processos, mais ou menos complexos, de evolução e de reorganização. Pelas razões apontadas não podemos falar de uma cultura megalítica como fenómeno homogéneo, fechado, mas sim de um conjunto de práticas funerárias com aspectos e características que revelam uma grande heterogeneidade ao longo do tempo.
São mal conhecidos os primeiros túmulos megalíticos. Os dólmens mais complexos e de maiores dimensões foram construídos no Neolítico Final, entre finais do IV milénio a.C. e inícios do III milénio a.C. Todos eles apresentam uma câmara poligonal, com um corredor geralmente longo e encontravam-se cobertos com enormes mamoas que os faziam destacar muito bem na paisagem. Representam o culminar de uma evolução para a monumentalização do espaço onde se ergueram. São deste tipo, entre muitos outros, os dólmenes da Lapa da Meruge (Vouzela), Orca dos Fiais da Telha (Carregal do Sal), Arquinha da Moura (Tondela), Orca dos Juncais (Vila Nova de Paiva), Dólmen do Juncal (S. Pedro do Sul), Orca de Forles (Sátão), Orca das Seixas (Serra de Leomil), Orca Grande (Serra de Leomil), esta última visível na figura que aqui apresento. Era também exemplo deste tipo, segundo a tradição oral, a Orca que se localizava ao longo da antiga via romana, pelo vulgo denominada de “estrada larga”, que liga Moimenta da Beira a Beira Valente. Este monumento foi destruído.
A escolha preferencial destes monumentos em zonas planálticas ou em plataformas bem distintas na paisagem, como aconteceu com a Orca Grande, sem dúvida a mais célebre neste concelho pela sua robustez, realça o seu papel como marco territorial. O dólmen é um sistema que obedece a um plano previamente pensado. A câmara, o corredor, o corredor intra-tumular, o átrio, a estrutura de condenação ou encerramento do túmulo e a mamoa, são a estrutura arquitectónica. Dentro dela eram colocados objectos que acompanhavam os defuntos, ligados às actividades quotidianas (cerâmicas, pontas de seta, foices, punhais, etc.) e ao domínio do sagrado, pois aí se realizavam rituais. Este último elemento, ligado às pinturas e gravuras que muitos destes monumentos possuem nos esteios da câmara e/ou corredor denunciam o carácter eminentemente sagrado destes túmulos que eram também templos de comunhão entre os viventes, seus ancestrais e o território.
A Orca Grande faz parte de um conjunto de monumentos megalíticos pré-históricos que poderão ser visitados na nossa serra. Especialistas que aqui realizaram estudos há uns anos atrás denominaram este conjunto de Necrópole Megalítica da Nave e dotaram-no de um circuito com placas identificadoras. Duas críticas – para ser comedido - tenho a fazer neste âmbito. É vergonhoso visitar este circuito e ver os monumentos tapados de giestas porque a limpeza dos locais não é regularmente feita. É ainda mais triste saber que vários artefactos foram encontrados nestes locais… e nenhum deles ficou em Moimenta da Beira. Muito menos os resultados das investigações foram projectados neste município para que todos os moimentenses tomassem conhecimento da sua riqueza pré-histórica. Afinal este património é ou não é nosso???
Publicado no Jornal Terras do Demo
edição de 19/11/2009

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