Há 50 anos, as curvas de Niemeyer eram demasiado arrojadas para um país
em ditadura, mas um grupo de estudantes conseguiu mantê-las de pé.
O arquitecto brasileiro Oscar Niemeyer, que morreu na quarta-feira a
poucos dias de comemorar 105 anos, nunca esteve em Moimenta da Beira.
Mas os arcos que desenhou para o Palácio da Alvorada, em Brasília,
inspiraram o projecto de construção de um colégio naquela vila do
distrito de Viseu e fizeram estalar a polémica.
Foi a 2 de Abril de 1962. Passava das 13h30 quando
Pedro Abreu, então com 17 anos, e o irmão mais velho chegaram ao
Externato Infante D. Henrique, onde frequentavam o quinto ano do liceu.
Os pedreiros estavam já a demolir parte da fachada do colégio,
sustentada em arcos que fazem lembrar redes estendidas nas varandas dos
casarões coloniais.
A ordem de demolição tinha vindo dos serviços
de urbanismo do regime, de Viseu, recorda Pedro Abreu: “Houve uma
inspecção e acharam que o estilo do prédio era avançado de mais.” As
semelhanças entre o edifício e o palácio que serve hoje de residência
oficial da Presidente da República do Brasil, desenhado pelo arquitecto
comunista e inaugurado em 1958, não agradaram às autoridades. A solução
era substituir os pilares em arco por colunas rectangulares.
“O
meu irmão, mais encorpado do que eu, mandou-os parar. Os pedreiros
também estavam contrariados. Outros alunos começaram a chegar e pegou-se
ali o rastilho”, conta Pedro Abreu, hoje com 67 anos. Aos alunos que se
manifestavam à porta do colégio, foram-se juntando os habitantes da
vila e até alguns professores apoiaram o protesto. “Instigaram-nos a
protestar, mas não se punham no nosso lugar, era à sorrateira.”
Dali
partiram para a igreja. “As pessoas que viviam à volta foram chegando
mas achávamos que ainda éramos poucos. Fomos para a igreja tocar o sino a
rebate”, diz Pedro Abreu. De tanto tocar, o sino até rachou. Foi assim
que as populações vizinhas souberam do protesto e se juntaram à
manifestação, pouco habitual numa região onde não há memória de grandes
revoltas populares. No fim, os pedreiros pararam a obra e voltaram a pôr
tudo como estava.
“Os arcos eram uma coisa nossa, diferente.
Representavam progresso”, explica Pedro Abreu. O desenho do edifício foi
pedido por um dos directores do colégio, Amadeu Baptista Ferro, a um
emigrante de Moimenta da Beira no Brasil, que nem era arquitecto. “O
director foi a Brasília, ficou impressionado com a arquitectura do
Palácio da Alvorada e pediu a um amigo que fizesse o desenho”, explica o
assessor da autarquia, Rui Bondoso.
Fernando Frutuoso de Melo conta outra versão. Diz que os arcos foram desenhados por sugestão do tio, de quem herdou o nome, que era médico em Moimenta da Beira e foi para o Brasil pouco depois das eleições presidenciais de 1958. O médico, já falecido, tinha sido o grande impulsionador da criação do colégio, segundo Fernando Frutuoso de Melo.
“Na altura, houve rumores de que os arquitectos do departamento de Viseu ficaram chateados por não lhes ter sido encomendado o projecto e fizeram queixa”, recorda Pedro Abreu.
Fernando Frutuoso de Melo conta outra versão. Diz que os arcos foram desenhados por sugestão do tio, de quem herdou o nome, que era médico em Moimenta da Beira e foi para o Brasil pouco depois das eleições presidenciais de 1958. O médico, já falecido, tinha sido o grande impulsionador da criação do colégio, segundo Fernando Frutuoso de Melo.
“Na altura, houve rumores de que os arquitectos do departamento de Viseu ficaram chateados por não lhes ter sido encomendado o projecto e fizeram queixa”, recorda Pedro Abreu.
Na mira da PIDE
“Até diziam, na rua: andam os comunistas em Moimenta!” Mas a revolta nada teve a ver com política, garante o ex-aluno, embora admita que entre os manifestantes havia militantes do PCP. O caso ganhou contornos nacionais e até a polícia do regime, a PIDE, foi de Lisboa a Moimenta da Beira para interrogar os “cabecilhas” do grupo. Pedro Abreu, que era menor, não foi ouvido. “O meu pai era presidente da Câmara e lá conseguiu que só interrogassem os mais velhos”, conta.
“Até diziam, na rua: andam os comunistas em Moimenta!” Mas a revolta nada teve a ver com política, garante o ex-aluno, embora admita que entre os manifestantes havia militantes do PCP. O caso ganhou contornos nacionais e até a polícia do regime, a PIDE, foi de Lisboa a Moimenta da Beira para interrogar os “cabecilhas” do grupo. Pedro Abreu, que era menor, não foi ouvido. “O meu pai era presidente da Câmara e lá conseguiu que só interrogassem os mais velhos”, conta.
Ninguém foi detido. “A PIDE
pensava que os comunistas tinham influenciado a miudagem, mas não. Toda a
população estava contra aquela patifaria”, afirma. Até o arquitecto
Oscar Niemeyer escreveu a um dos directores do colégio e pároco de
Moimenta da Beira, o padre António Bento da Guia – que as autoridades
terão ameaçado de prisão caso a fachada não fosse alterada. “Na carta,
Niemeyer elogia a arquitectura do edifício e diz que está ao lado da
luta dos estudantes”, descreve Rui Bondoso.
Os arcos nunca foram
demolidos mas no Verão daquele ano, aproveitando a ausência dos alunos
em férias, foram tapados por um muro de metro e meio. “Ficou
monstruoso”, recorda Pedro Abreu. Depois do 25 de Abril de 1974, o
edifício foi comprado pelo Estado e os arcos foram destapados. Desde
então funcionaram ali várias escolas e actualmente o edifício acolhe a
Escola do 1.º Ciclo Infante D. Henrique. Em Janeiro, esta será
transferida para o novo centro escolar do concelho e o imóvel – um
edifício com dois pisos, várias salas, ginásio e espaços administrativos
– vai acolher o novo centro cívico de Moimenta da Beira.
Fonte: Público
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