Detalhe do
portal principal da igreja de São João Baptista, Matriz de Sernancelhe
Visto como «a porta do
Céu» ou «a porta da Salvação», tendo como função sacralizar
a passagem do mundo
terrestre (Terra) e material para o mundo celeste (Céu) e espiritual.
Por sua vez, a igreja
representa o lugar de contacto entre o homem e Deus.
Localização
Largo da República
Classificação
Imóvel de Interesse Público, Decreto N.º 29 604, DG,
Série I, n.º 112 de 16 de Maio de 1939.
Edificada sobre
um maciço rochoso no qual foram escavadas algumas sepulturas, a igreja de São
João Baptista segue o seguinte esquema arquitectónico: nave, capela-mor,
capelas laterais, sacristia e uma robusta torre sineira seiscentista (de traça
quadrada, adossada à esquerda do frontispício), cujos alçados, desprovidos de
reboco, encontram-se parcialmente realçados por uma cachorrada diferenciada[1].
Contudo, é na
simplicidade do seu traçado que imediatamente nos atrai um dos elementos
identificadores do chamado estilo românico[2]:
um invulgar portal disposto sob um óculo quadrilobado, de três arquivoltas
(manifestamente inspiração celeste), assentes em colunelos com capitéis
embelezados com cogulhos, estando particularmente a intermédia adornada com dez
anjos de asas abertas. Embora mais tardio que as outras secções do portal, o
tímpano apresenta-se ainda mais original, com recorte trilobado, exibindo
decoração geométrica e vegetalista. A ladear (o portal), surgem dois nichos
quadrangulares ocupados por grupos escultóricos, cada
um deles com três pequenas figuras, representando os Apóstolos Paulo e Pedro,
ambos no centro, acompanhados por quatro Evangelistas, não tendo, pelo seu
enquadramento e expressão, comparação em território nacional.
Pelo cuidado
tido em redor da porta, compreende-se bem não só o forte simbolismo e as
extraordinárias significações da arte românica, como também, particularmente, o
valor do portal como ponto fundamental das concepções da arquitectura sagrada
na Idade Média, profusamente decorado através de temas figurativos muito
diversificados nos tímpanos, nos capitéis e nas colunas.
Aliás, não é por
acaso que o templo românico baseia-se numa planta simbólica:
a da cruz latina, representando o corpo de Cristo crucificado (a capela-mor
corresponde à cabeça, o transepto aos braços e a nave aos membros
inferiores) e é coberto por amplas abóbadas, aludindo ao espaço sideral.
Publicado
no Jornal Beirão (84.ª edição)
[1] Entre os temas representados,
destacam-se animais domésticos, utensílios, bustos femininos, uma mulher de
mãos na barriga provavelmente em trabalho de parto, uma criança e uma pipa com
uma estrela pintada. Atitude própria de uma cultura eminentemente agrária.
[2] As técnicas arquitectónicas
baseiam-se no passado romano, daí estas obras serem qualificadas como
românicas.
As
primeiras manifestações deste estilo no território português datam dos finais
do século XI, expandindo-se geograficamente em meados do século XII (sobretudo
por influência das ordens religiosas de Cluny, de Cister, dos Cónegos Regrantes
de Santo Agostinho, das Ordens Militares, dos Templários e dos Hospitalários) e
estão intimamente ligadas à afirmação do Reino. Geograficamente, a maior parte
das construções, no seu maior número obras de pequena dimensão, localiza-se na
região granítica do Norte e Centro (sendo predominantemente deste material),
devendo-se evidentemente à Igreja, a ordem mais abastada e culta da época,
modernamente apetrechada e sempre omnipresente.
Autor: José Carlos Santos
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