domingo, 6 de julho de 2008

Faltam meios de socorro pré-hospitalar no distrito.

Entrevista retirada do Diário de Viseu.

"Vítor Almeida é presidente da Associação Portuguesa de Medicina de Emergência, anestesista no Hospital de São Teotónio e, entre outras missões, foi médico do 1º Contingente da GNR, em Nasiriyah, no Iraque, tendo sido condecorado pela República Portuguesa por Serviços Distintos à Pátria e com a Medalha das Forças Armadas Portuguesas para Missões Especiais. Aponta algumas falhas no sistema e apresenta soluções.

Diário de Viseu (DV) - Como funciona o sistema de emergência?
Vítor Almeida - Está apoiado em vários pilares. Um é o INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica) que é responsável pela coordenação da emergência médica a nível nacional, na área do pré-hospitalar, antes da chegada ao hospital, no próprio e também nas transferências. A lei orgânica é muito vasta e dá um poder muito amplo ao INEM nomeadamente no ensino, creditação de formação, etc. O INEM monopoliza, do ponto de vista da emergência médica, legalmente a estrutura. Temos também a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) e a Cruz Vermelha Portuguesa, que, neste momento, está em total e profunda reestruturação e temos também entidades privadas que trabalham também na área das transferências inter-hospitalares, embora no socorro pré-hospitalar não tenham nenhum papel em Portugal.

DV - Com que meios trabalham?
VA - Do ponto de vista aos doentes, dentro do INEM temos vários meios a funcionar em conjunto. As VMER estão sedeadas em hospitais e socorrem o socorro medicalizado. Existem ambulâncias de Suporte Básico de Vida, maioritariamente nas corporações de bombeiros

DV - O que há no distrito?
VA - Uma VMER, três SIV, ambulâncias de Suporte Imediato de Vida. Um helicóptero em Santa Comba Dão, que só funciona de noite. Neste momento, não temos nenhum socorro aéreo a chegar em tempo útil, num espaço de 15 minutos, num distrito inteiro, porque estamos pendentes de Lisboa e Porto.

Dv- É uma lacuna grave?
VA - O distrito tem características muito próprias. Para além de ter aglomerados populacionais muito importantes na periferia e no interior como Moimenta da Beira, Sernancelhe. Muitas pequenas localidades que de facto têm população, população envelhecida e muito fragilizada…

Dv- Os que mais necessitam?
VA - Exactamente. E estão no fundo a uma ou duas horas de distância do hospital de Viseu, obviamente que uma VMER não consegue chegar em tempo útil, por muito que os profissionais se esforcem e ponham a sua vida em risco, porque é um facto, é impossível. É imprescindível, e penso que isto é consensual a nível nacional, de que esta região do interior necessita, urgentemente, de um meio aéreo próprio. A protecção civil tem um helicóptero próprio que já é utilizado para voos nocturnos, que funciona na perfeição se fosse usado durante o dia e que poderia ser perfeitamente utilizado em parceria.

DV - E porque é que isso não acontece?
VA - Penso que as grandes resistências foram sempre da anterior direcção do INEM, porque a protecção civil esteve sempre aberta a esta colaboração. Além disso também sei que existe, neste momento, em Coimbra, um lobie muito franco, muito claro, para tentar colocar um meio próprio do INEM em Coimbra. Mais uma vez, o meio aéreo é necessário no interior e não em Coimbra, onde existem, num raio de 50 quilómetros, quatro VMER.

DV - Em Santa Comba Dão está bem localizado?
VA - Sim, e mais, permite um acesso rápido à Serra da Estrela e ao interior. Por exemplo de Santa Comba Dão à Covilhã, são 20 minutos de voo e isto permite-nos medicalizar o socorro no interior e também chegar ao litoral rapidamente. E mais, colocar uma base em Coimbra, custa milhões e nós em Santa Comba Dão já temos uma base que funciona na perfeição, com 100 por cento de operacionalidade. Portanto não faz sentido, nem do ponto de vista económico, nem do ponto de vista médico. Não vale a pena estarmos com bairrismos.

DV - E uma VMER é suficiente no distrito?
VA - Uma não chega. Temos que começar a pensar, eventualmente, em colocar outra viatura no distrito, ou junto da Beira Serra, ou mais a Norte, como por exemplo na zona de Lamego. Ou então transformar uma ambulância dos bombeiros ou do INEM com equipamento e um médico a bordo.

DV - Não tem custos elevados?
VA - Não, equipar uma ambulância não custa dinheiro, o que custa é a manutenção dos meios humanos, como pagar o salário a um médico. E com a reforma que está a acontecer no sistema de saúde, havendo dois médicos no centro de saúde, permite que um deles esteja na viatura, quer para o socorro no pré-hospitalar, quer na transferência inter-hospitalar.

DV - Um médico na transferência de doentes não é subaproveitar um médico?
VA - Não. Uma transferência de doente deve ser sempre encarada como uma subida de nível de cuidados.

DV - Não está a haver esse acompanhamento?
VA - Pois, o que acontece é que muitos dos doentes que vêm transferidos dos centros de saúde para o hospital de Viseu vêm acompanhados por um tripulante da ambulância de socorro, tal como a lei exige, ou então por um enfermeiro ou então por ninguém.

DV - Que é o mais grave?
VA - Para além de ser grave, é uma clara violação de lei. Continuam a existir, tanto no distrito de Viseu, como no resto do país, transferências de doentes sem nenhum acompanhamento na célula sanitária, o que é grave. Os doentes que saem de Viseu, obviamente a situação é diferente, são todos acompanhados por pessoas com formação.

DV - De onde vêm esses doentes?
VA - Habitualmente dos centros de saúde e acompanhados pelos bombeiros.

DV - E têm a formação necessária para o fazer?
VA - Em muitas situações têm formação, noutras não têm. É um problema nacional e é grave e absolutamente imperdoável. Também admito que o INEM esteve muito tempo a bloquear o acesso à formação, mas a responsabilidade final, de fazer cumprir a lei nos transportes das corporações, é da responsabilidade dos comandantes .

DV - Em Portugal, os TAS (Tripulantes de Ambulância de Socorro) e TAE (Tripulantes de Ambulância de Emergência) têm 220 horas de formação e quando o standart Europeu está nas 1500. horas .Como explica?
VA - Estamos a falar de ambulâncias de socorro que, em Portugal, na realidade só podem executar o socorro básico. O tripulante da ambulância de socorro ou o de emergência, têm como única diferença a autorização de utilizar o desfibrilhador automático, integrados no programa do INEM. O nível formativo não é superior, exceptuando a desfibrilhação. O que eu lhe posso dizer é que aquilo que um doente, em risco de vida, precisa não é só de transporte, mas sim que lhe seja administrado um certo e determinado fármaco a um certo e determinado minuto. O que o doente necessita é que alguém lhe coloque um soro no momento certo, que alguém o estabilize no ponto de vista das suas funções vitais: a sua respiração, a circulação sanguínea, etc. Neste momento, nenhuma classe profissional, para além dos médicos, está autorizada a fazer isso."


Foram selecionadas algumas questões que nos pareceram mais importantes, a entrevista completa encontra-se AQUI.

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