sábado, 30 de julho de 2011

«Cultura» - “A região não se pode dar ao luxo de desperdiçar o mestre Aquilino Ribeiro”

José Eduardo Ferreira, de 48 anos, natural de Alvite, presidente da Câmara de Moimenta da Beira (PS) desde 2009, acumula desde Junho o cargo de presidente da Fundação Aquilino Ribeiro (FAR). Na Casa Museu da Fundação, sentado numa das cadeiras de Aquilino, explicou como é que um autarca chega finalmente a presidente de uma fundação que, aos olhos de quem está de fora, considera ter funcionado quase como uma instituição fantasma. Dirigindo-se a Aquilino sempre como “o mestre”, enuncia as linhas gerais de actuação do seu mandato de dois anos. Abrir a FAR ao mundo e fazer dela uma “aposta cultural” é um dado adquirido: “Estamos a trabalhar para colocar a Fundação online”.


A que fim se destina a Fundação Aquilino Ribeiro?
Os objectivos são tornar acessível ao público a obra do mestre e, através da acessibilidade pública à obra, ao ambiente e aos seus objectos, contribuir para a divulgação das “terras do demo”, da obra e da cultura em geral.

Mantêm-se desde a sua criação?
Sim. É incentivar a cultura a partir do prisma do mestre, centrado nas “terras do demo”. Ele não escreveu apenas sobre as “terras do demo” e nas “terras do demo”. A Fundação não esconde nada sobre a obra, mas pretende realçar e identificar a obra com a região, até porque essa identificação é perfeita, o mestre descreveu-a de forma ímpar. Aquilino é uma parte significativa da nossa identidade.

Por exemplo?
Retratou de forma ímpar a nossa serra. Há aspectos gastronómicos dos quais fala da forma vincada, a própria caça… Há um manancial que tem que ser explorado e a Fundação tem que servir como âncora para fazer essa exploração.

Esse lado de Aquilino Ribeiro não se encontra exposto na Fundação actualmente. Pode vir a estar futuramente?
Pode. Temos aqui objectos que são os da memória do mestre. O que pretendemos é manter a memória, mas mostrar o que ainda temos, nomeadamente na serra, na caça e na gastronomia. A Fundação Aquilino Ribeiro tem que ser um pólo dinamizador disso tudo. A vinda dos municípios (três) para a fundação é para que possa alicerçar-se como uma expansão para o país, para a região e para o próprio mundo.

A Fundação Aquilino Ribeiro tem sido alvo de várias críticas ao seu funcionamento. Mesmo assim, acha que os objectivos traçados se concretizaram?
Foram-se concretizando, agora, a nossa vontade é melhorar todos os dias. Não há que lamentar o passado da Fundação

Como nasceu a ideia de proceder à alteração dos estatutos, que permitiu inclusive a eleição do presidente?
A ideia de proceder à alteração dos estatutos foi um enquadramento e uma circunstância. A circunstância foi o falecimento da doutora Josefa (mulher de Aquilino Fritz Tiedemann Ribeiro, filho mais velho do escritor e fundador da instituição) que era presidente em exercício. Com o seu falecimento, a Fundação ficou sem presidente, porque o cargo era, segundo os seus estatutos, vitalício. Havia agora que resolver a questão estatutária.

A continuidade da Fundação estava posta em causa, se não fossem alterados?
Estava posta em causa a permanência estatutária da própria Fundação, na medida em que os estatutos não previam uma forma de substituição do seu presidente que era vitalício. Aproveitou-se esta circunstância para dar àFundação uma outra visão e é aí que entram os municípios. Os três concelhos das “terras do demo” acham que têm um papel a desempenhar na Fundação e que esta tem muito a dar a esta região. Essa é a razão pela qual os três municípios aceitaram fazer parte do conselho de administração.

Qual é a composição do conselho de administração?
É composto pelos três municípios (Moimenta da Beira, Sernancelhe e Vila Nova de Paiva) e por mais dois membros.

De que forma a Fundação se vai abrir e tem insistido?
A melhor forma é dar assento aos três municípios no concelho de administração e, mais do que isso, fazer com que cada um dos presidentes o seja rotativamente presidente [por dois anos]. Isto dá a noção real de abertura estatutária, mas dá também obrigações a quem desempenhar o cargo. Não tenho dúvidas de que os municípios se envolverão e mais, uma fundação de índole cultural não pode alhear-se da necessidade financeira que também existe. Esta abertura ajuda também a resolver esse problema, porque a questão financeira se vier a colocar-se será melhor resolvida tendo na base três municípios do que tendo apenas um, tanto para candidaturas, como para financiamentos próprios.

Quais são as competências do presidente?
É a administração geral da Fundação. E é o que estamos a fazer, arranjando formas de virar a Fundação para o exterior através das novas tecnologias.

No início desta conversa fala na necessidade da Fundação se expandir ao mundo. Pressupõe que a Fundação vai passar a estar nas redes sociais?
Terá muito brevemente uma acessibilidade fácil a partir da internet. Será uma comunicação mais periódica e mais constante com os interessados no que se passa aqui dentro. Depois, para além dos grupos de visitantes, nós próprios organizarmos aqui eventos, como o exemplo da “Noite Republicana” (em 2010), que servem também para dar a conhecer a Fundação àqueles que por ventura ainda não a conheçam.

Quer adiantar outros projectos perspectivados para o Plano de Actividades?
Eu creio que o que podemos fazer a partir da Fundação é voltar a publicar algumas das obras do mestre e fá-lo-emos julgo que num prazo relativamente curto também para que a Fundação possa ter essa função de divulgar ainda mais a obra. No fundo o que estamos a fazer, é, por um lado, o aproveitamento do potencial que é o mestre Aquilino Ribeiro para a região e, em simultâneo, fazendo a divulgação da obra.

Abrir a fundação ao mundo é o imediato?
Exactamente. Depois, para os próximos anos, é fazer com que tenha uma vida própria, possa servir como âncora ao desenvolvimento dos três municípios e que a partir da Fundação possamos promover o mestre, possamos promover a Fundação, e crescer à volta do mestre. Temos vinhos com nome do mestre, temos biblioteca com o nome do mestre… e vamos ampliar esta intensidade. Há algum tempo atrás foi realizado um documentário que teve projecção local, que vamos levar às escolas em Setembro, e que pode integrar a nossa região numa rota de escritores centrada regionalmente em Aquilino Ribeiro. A região não se pode dar ao luxo de desperdiçar o mestre aquilino Ribeiro, nem tão pouco de o utilizar menos. Há anos atrás houve os chamados “serões da Beira”, nós podemos implementar os “serões aquilinianos”. Isto tem as suas dificuldades de tempo e tem os seus custos, mas não podemos deixar de o fazer.

Há alguma razão especial para ter sido eleito o primeiro presidente?
Só a ordem alfabética, primeiro Moimenta da Beira, a seguir Sernancelhe e depois Vila Nova de Paiva.

Um dos órgãos da Fundação é o seu conselho técnico consultivo (15 elementos). Quem o integra?
É constituído por pessoas que possam aportar à Fundação algum valor técnico-científico, mas ainda não está reformulado, existem membros que ainda estão em funções mas há-de ser alargado e estamos a pensar nos convites que faremos para esse efeito.

Elementos da família?
Pode ser e pode não ser. Haverá sempre académicos neste conselho técnico consultivo. Estamos a pensar

Quais as suas funções?
Acompanhar de uma forma uma pouco mais distante do que o conselho de administração a actividade da fundação e estabelecer contributo para o seu desempenho. Nós temos muita vontade de manter o meio académico muito próximo da Fundação. Queremos elementos interessantes e interessados.

Qual o Património actual da Fundação Aquilino Ribeiro?
O que se pode ver é a Casa Museu, onde os visitantes podem contactar com aquele que é o ambiente do mestre, também a Casa do Aldeão onde se podem ver objectos artesanais do tempo do mestre, a própria Biblioteca onde existem obras. Para além destes bens materiais, o que mais temos do mestre são os bens imateriais, o que se pode ler naquilo que ele não escreveu.

Não está aqui tudo.
Não está, até porque não tínhamos aqui as melhores condições para as conservar. Temos algumas obras e temos a casa de onde se pode partir para o ambiente do mestre, a serra (serra da Lapa e serra da Nave) aqui ao lado, a aldeia, o rio Paiva, e aos concelhos vizinhos, vemos a Barrelas (Vila Nova de Paiva e temos o ambiente do mestre, vamos à Lapa (Sernancelhe) e temos o ambiente do mestre. Aquilino Ribeiro é isto tudo. Esta aposta cultural tem que vender cultura, mas tem que vender outros produtos. Esta Fundação só sobreviverá e funcionará se a conseguirmos abrir, senão não há hipótese, mas estou convencido que vamos conseguir.

Além do património ficou um legado de cerca de 400 mil euros da anterior direcção. O que vai fazer com esse dinheiro?
O legado existe, o que vamos fazer é rentabilizá-lo a favor da Fundação e o nosso objectivo é não o delapidar. Temos que dar sustentabilidade à fundação e isso não pode passar por lapidar património, pelo contrário, deve passar se criar sustentabilidade e é isso que estamos a fazer.

Vai avançar com alguma candidatar destinada a financiar o projecto?
Existiu uma candidatura (projecto de reabilitação ao Programa do QREN do anterior presidente da Câmara de Moimenta da Beira) que não mereceu a aprovação. Vamos insistir nessa candidatura ou reformulá-la (que incluirá um auditório e uma sala de estudo). Mas vamos fazer o que tem que ser feito para lá das dificuldades que possa haver na aprovação de projectos de maior dimensão.

De onde vêm as receitas próprias?
De juros, de proveitos, dos próprios direitos de autor, das visitas à Fundação.

Os subscritos de Aquilino Ribeiro doados temporariamente à Biblioteca Nacional podem regressar a Soutosa?
O que nos importa é que a obra e os manuscritos sejam conhecidos, se é através de originais ou de cópias, o que importa é manter os manuscritos em bom estado. Neste momento não temos aqui condições para os ter e enquanto não tivermos seguramente não regressam porque é mais importante mantê-los em bom estado. Se alguma vez houver condições físicas encaremos essa hipótese.

Está cumprido o objectivo da primeira reunião no Governo Civil de Viseu, que juntou autarcas, o filho vivo do escritor e outras individualidades envolvidas na reformulação dos estatutos?
Não tinha tanta certeza que nesta altura pudéssemos dizer que se tinham concretizado todos os objectivos por dificuldades de diversa ordem. Temos muito que andar mas foi possível com bom senso de várias entidades e de várias pessoas.

Qual é para si a obra de Aquilino Ribeiro mais importante?
É difícil distinguir a mais importante (pensa). Distingo “Quando os Lobos Uivam”, pela mensagem. Eu gosto dele por considerar o livro de maior intervenção do mestre.

E a de que mais gosta?
“O Homem da Nave”.

Fonte: Jornal do Centro

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