Desde tempos muito remotos o Homem sentiu necessidade de se cobrir e agasalhar. Começou a criar, por conseguinte, a partir de folhagem e peles de animais as peças de vestuário de que necessitava. Com a evolução das sociedades humanas foram surgindo novos hábitos e costumes deixando o vestuário de constituir apenas uma necessidade básica para se tornar um meio de afirmação pessoal no contexto dessa mesma sociedade. Ontem mais do que hoje o trajar espelhava as possibilidades económicas dos indivíduos de uma comunidade.
O trajo acompanhou a evolução da sociedade através dos tempos e a moda tornou-se uma indústria altamente rentável. Se o advento da era industrial trouxe consigo a produção em escala e o pronto-a-vestir que teve como consequência a uniformização do modo de vestir em detrimento dos costumes locais.
A fotografia é indubitavelmente uma das fontes documentais mais importantes para quem lograr conhecer com algum rigor os usos e costumes no período que medeia entre o século XIX e o século XX. Porém, o aparecimento da fotografia coincide com a industrialização dos processos de produção que levaram a uma inevitável alteração de hábitos e a uma padronização cada vez maior no modo de vestir, com excepção do mundo rural que foi resistindo a essa evolução.
Os trajos de antanho são património material, mas a sabença popular que lhe está na retaguarda faz parte de um património imaterial que importa da mesma maneira recuperar, preservar e divulgar. O trajo popular é o modo mais ou menos generalizado de vestir (conjunto de peças de roupa, calçado e adornos), dos indivíduos que compõem o agregado de uma dada comunidade, num determinado tempo. Para a apreensão do trajar é pois imprescindível atentar no tempo e no espaço que o produziram. E conseguimos perceber essas referências quanto mais estivermos conscientes de que elas advêm de quadros mentais, espirituais, valorativos, estéticos, filosofias de vida e comportamento e os recursos materiais existentes. O trajo é dos temas de estudo que mais varia no tempo e no espaço e muito embora existisse um modelo geral comum de determinada localidade ou região a verdade é que existiam também influências pelo contágio com outros trajos oriundos de outras culturas. Os alfaiates e as costureiras, as bordadeiras e as tecedeiras, bem como os indivíduos a quem se destinavam as peças, imprimiam o seu gosto e feição próprios às peças que confeccionavam ou mandavam confeccionar, criando assim variantes de um mesmo trajo local.
Até ao aparecimento da produção em série o vestuário era confeccionado de forma artesanal e, sobretudo nos meios rurais, nem sempre existiam recursos materiais para se poderem adquirir os tecidos necessários à sua confecção, ao contrário do que sucedia com as famílias nobres e abastadas que tinham capacidade para os importar.
Até chegarem aos teares as fibras vegetais eram cultivadas e passavam por um processo de confecção. Já aí, o vestuário, de linho, sorrobeco ou outros tecidos adquiria forma: com cores sóbrias ou garridas, com mais ou menos estopa, consoante a sua finalidade, de acordo com a condição da pessoa que o vestia e ainda com as características do clima ou da função, se destinava ao trabalho ou a ser usado em dia festivo. O mesmo acontecia em relação aos acessórios, incluindo os que serviam para cobrir a cabeça. Enquanto o lenço servia às mulheres da arraia-miúda (as senhoras fidalgas e nobres não o usavam), o trabalhador do campo usava invariavelmente chapéu ou barrete que se ajustava à cabeça, proporcionava conforto e não dificultava os movimentos, possuindo por vezes outras utilidades como a de esconderijo. Quando a temperatura e actividade a que se dedicava o exigia, usava um chapéu de palha com aba larga que, à semelhança do vestuário, era de construção artesanal.
Um dos trajos mais característicos desta região serrana é o trajo de pastores, tal como apresento na imagem (Rancho Folclórico da Casa do Povo de Leomil). Veste o pastor capa de palha de junco entrançada, com amplo cabeção e saia, aberturas laterais para os braços, frentes ajustadas com cordões feitos da mesma fibra. Contém polainas da mesma palha, envolvendo as pernas a partir dos joelhos e atados com cordões no lado de dentro das pernas. Por baixo da capa o pastor veste colete e calças de burel castanho com presilha traseira, camisa de riscado com dianteira e buraco de botão para apertar na calça. Na cabeça chapéu de palha com aba larga e por baixo a usual carapuça de lã. Calça tamancos de revirar de amieiro, com testeiras de ferro, e meias de lã. Usava varapau robusto de tamanho até ao nariz e lampião de lata movido a azeite. Ocupava-se a fazer flautas com pau de sabugueiro. A capa de palha tem várias designações segundo a região, tendo sido profuso o seu uso no país. É conhecida na nossa região como palhoça mas também é designada de coroça ou croça. A sua feição era em geral igual sendo constituída por cabeção e saia. As fibras do centeio e do junco são entrançadas em sucessivas carreiras (rumal) de modo a obter a forma e as dimensões desejadas. Depois de terminada, a palhoça era penteada com pente de ferro para desemaranhar e abrir as fibras.
Por seu turno, a pastora usa blusa de algodão estampado (chita) com gola redonda, encaixe guarnecido com folho e frentes com carcela abotoada; mangas compridas com punho e nastro de apertar. Saia de burel em tons de castanho e avental de riscado em tons de azul ou preto a acompanhar o seu tamanho. Na cabeça lenço de algodão e a rematar o conjunto capucha de burel pelas costas ou, em tempos de mais invernia, pela cabeça. Calça socos romeiros de amieiro castanhos com brochas de ferro e meias de lã até próximo do joelho. Segura na mão a teiga (cesta) de palha de centeio e silva, contendo o ferrado (leiteira) para o leite. Entretinha-se em determinados trabalhos domésticos como fiar e fazer meias, pelo que levava cesta para a serra. Como roupa interior usava camisa em meio linho rendada nas bordas de um centímetro e saiote em meio linho com alguns folhos, igualmente com rendado de cerca de um centímetro nas bordas e nastro para apertar.
Publicado na última edição do Jornal Terras do Demo
Sem comentários:
Enviar um comentário