O Neolítico (neo-novo; lítico/litos-pedra = período da nova pedra ou da pedra nova) é o último período da Idade da Pedra e caracteriza-se por uma profunda mudança. A partir de 9.000 anos antes de Cristo começaram a formar-se as primeiras comunidades neolíticas, que trocaram o estilo de vida nómada pelo sedentarismo. O que caracteriza basicamente o Neolítico é o estabelecimento de novas relações entre o homem e o meio-ambiente. Este novo processo de articulação do homem com o meio natural conheceu vários estádios de evolução e relaciona-se sobretudo com o cultivo inicialmente incipiente de plantas e domesticação de animais de grupos nómadas que se foram fixando em comunidades aldeãs semi-permanentes e posteriormente permanentes.
As práticas agrícolas iniciais do homem neolítico terão decerto resultado de muitas experiências e o acaso deve ter jogado um importante papel. O solo passou a ser preparado com o fogo entretanto já descoberto e dominado mas a adaptação da utensilagem lítica foi um aspecto nodal. Os instrumentos até então concebidos não serviam já as necessidades ocupacionais do quotidiano e foi necessário inventar novos e aprimorar os já existentes. Foi essa técnica utilizada na confecção dos instrumentos que deu o nome a este período, isto é, a passagem da pedra lascada à pedra polida inaugurou um período novo, entremeado pelo Mesolítico (meso-meio; lítico – pedra), que constituía o período da pedra polida sendo ainda a pedra, por conseguinte, a matéria-prima primordial deste período da pré-história.
Muito embora o estudo destas pequenas comunidades neolíticas tenha sofrido um notável desenvolvimento nos últimos cinquenta anos não podemos pensar que este já não é um terreno a desbravar, porquanto existem ainda alguns povoados a localizar. Tal facto advém do semi-nomadismo acima exarado que implica que possamos hoje encontrar artefactos isolados deste período da pré-história em vários locais. A Portela, na freguesia de Leomil, é um desses locais, recentemente detectado. Quando arroteava um terreno sobranceiro ao seu armazém de trabalho, o Sr. Arménio Santana Aguiar empunhava uma enxada quando deu com força numa pedra dura cujas feições lhe despertaram a atenção. Ao analisá-la decidiu guardá-la e, recentemente, numa das habituais conversas que nos levam para os meandros da cultura local, deu-me a conhecer o achado, o qual, dias depois, me entregou para análise.
O objecto trata-se um monólito ovalado que apresenta uma mancha de óleo que lhe foi derramada acidentalmente depois de encontrada e colhida do solo. Apresenta riscos de embate mas apresenta a sua superfície totalmente polida. Uma das extremidades é mais delgada e a outra mais robusta contendo, esta última, vestígios de uma quebra que leva a supor que o objecto se estenderia por mais uns quantos centímetros. Analisado tecnicamente o objecto, porém não o tendo submetido a métodos precisos de datação apenas conseguidos em laboratório, concluí que há fortes razões para acreditar que se trata de um machado de pedra polida do Neolítico, cuja datação se situará entre os 9 mil e os 6 mil anos antes de Cristo.
Ter-se-á instalado o “homem neolítico” na Portela? Analisando a hipótese em termos técnicos dir-se-á que é crível. Desde logo pelas características do local, o factor que na pré-história verdadeiramente ditava a fixação de humanos em determinado espaço. A Portela situa-se, em primeiro lugar, num montículo onde os visos alcançam largos quilómetros. Localiza-se na encosta da serra, pelo que está a um tiro de pardal de uma flora abundante que faz do local um habitat fértil. A fauna existente na serra permitia à comunidade da Portela seguir o rasto a uma série de espécies, sendo os javalis, as lebres e as aves o alvo preferencial das actividades de caça neolítica nestas paragens. Finalmente, refira-se que o local está implantado nas margens da ribeira de Leomil, sem dúvida um elemento crucial para a horticultura e também para a criação de gado. Em termos físicos, portanto, o local era de molde à fixação ancestral.
Para além do habitat ajudar a presumir que o achado arqueológico advém de uma fixação neolítica na Portela, importa referir que perto deste lugar foram detectados outros monumentos relativos ao mesmo período. Refiro-me à Orca outrora existente no caminho antigo que ligava Beira Valente a Moimenta da Beira, perto do Cargancho, local onde já foram encontrados vestígios de povoados ancestrais. Trata-se de um monumento megalítico construído durante o período do Neolítico que dista relativamente pouco da Portela.
A fixação de uma comunidade ou de algumas famílias neolíticas na Portela, indica que o nomadismo do período anterior, o Paleolítico, veio desembocar em Leomil pela escolha do meio local como o mais apropriado para o sedentarismo. Deixaram as comunidades paleolíticas de ser caçadoras e recolectoras para serem sedentárias, atravessando territórios de acampamento em acampamento para finalmente começarem a produzir alimentos em locais férteis e se fixarem à espera da colheita, sobretudo cerealífera. É provável que já antes tivessem experimentado uma agricultura esporádica, ocasionalmente aproveitando uma mais demorada estadia em campos férteis mas a fixação permanente ocorre depois do nono milénio antes do nascimento de Cristo passando a ser sistemática a partir do sexto milénio a. C.
Teria sido esta fixação remota que posteriormente originaria pequenos povoados e até certamente o facto de passar por aí a artéria principal que ligava Leomil a Moimenta da Beira. A “estrada larga” que ligaria Moimenta a Beira Valente iria desembocar numa bifurcação que seguia até á Portela e daí, pelo S. Roque e Sanjães, até Leomil. Com a evolução dos povoados o local da Portela seria a plataforma para a fixação de outras comunidades históricas, situação a que não é estranho o facto de num terreno próximo terem sido encontradas várias tegulae e também de no lugar de Sanjães, ali vizinho, ter ficado a memória medieval, exarada no cartulário do mosteiro de S. João de Tarouca, da existência de um mosteiro de freiras. Com o período medieval e a expansão do Couto Leomil, o local terá passado a designar-se Portela. Etimologicamente Portela significa “porta pequena”, desdobrando-se o vocábulo em “Port” – porta e “ela”- ideia de porta pequena ou de povoado. A Portela poderá ter sido, por conseguinte, um dos locais de passagem obrigatória e respectiva paragem para pagamento de impostos de circulação tipicamente medievais. Já ao chegar ao núcleo da vila de Leomil existiria outro local de paragem ainda hoje designado “Chão da Porta”, onde se implantou recentemente um bairro novo.
O mais que provável machado de pedra polida encontrado na Portela é, neste contexto, um elemento fulcral para se perceber o povoamento pré-histórico da região, o qual está intimamente relacionado com os locais que garantiam se possível em acumulação: campos férteis, colinas protegidas, matas com boa caça, ribeiros ricos em peixe, bacias marítimas propícias à pesca e ao trânsito de mercadorias.
Tratar-se-á este achado, em suma, de um machado em granito polido, de formato sub-rectangular, de razoável polimento considerando o tipo de material. Mostra alguns vestígios de desgaste, mormente pequenas lascagens quer no gume quer na parte posterior, de encabamento. A suposta lâmina encontra-se deteriorada e a parte que encaixava no cabo está abalada. É um achado isolado, até então. Uma ferramenta como o machado neolítico, além das propriedades de corte de materiais e alimentos, poderia ter acumulado outras funções. Para além de utilitário, este objecto poderia ser um símbolo de poder, de masculinidade, assim como, cumulativamente, uma «peça de família», um objecto herdado de pai para filho. Agradeço ao Sr. Arménio o ter-me proporcionado o contacto com este importante objecto e resta-me desejar que ele seja preservado.
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