A capela de S. João é um templo esbelto que a população da freguesia da Rua não deixou cair por terra. Completamente arruinada há escassos anos atrás, foi alvo de uma reconstrução e recuperação notáveis que a segurarão hirta por mais um punhado de décadas. Erguida na cimalha de uma lomba entre Vide e a Granja dos Oleiros, encontra-se implantada num solo fértil, bafejado por um micro-clima apreciado pelas sociedades do passado, nomeadamente as comunidades romanas, porquanto era propício à germinação de culturas tão importantes como a da azeitona e do vinho. Outrora cidadela, denominado de Arrochela ou Rochela, segundo a tradição oral, este é um espaço abrigado, e muito menos exposto à dureza climatérica de outros existentes do concelho. Os visos são também de molde a pressentir-se aqui uma fixação remota de povos ancestrais. O horizonte é infindo e o vale acentua-se em depressão de anfiteatro, guardado lá no alto pelas serranias que, transpostas, levam o olhar até ao Távora.
Trata-se de uma capela de pedra, caiada, deixando a nu apenas o granito do esqueleto do edifício e a bordadura das pequenas reentrâncias, nomeadamente a porta e janelas. Contém acima da entrada uma inscrição onde se lê MVDADA NO Ã DE 1757 (mudada no ano de 1757). Foi mudada para a distância de um tiro de espingarda, à beira da estrada que ligava Vide a Arcozelo, pelo que bem perto deve haver vestígios do antigo templo. A justificação para a mudança foi o facto de se encontrar degradada e solitária. Tanto a sua reconstrução como a sua reconstituição sofreram naturalmente influências da época, nomeadamente os cunhais, as portas, a cornija. A composição lateral, da qual constam dois nichos encimados por dois orifícios quadrados para ex-votos e ao centro uma cruz granítica, deve datar da mudança da capela.
É possível ainda que nos trabalhos de trasladação se tenha alterado a altura do edifício, assim como a largura do mesmo. Conjectura-se fácil que as características do antigo conjunto arquitectural tenham sido profundamente alteradas, já que as ermidas antigas eram muito modestas. Contudo, é quase certo que as pedras foram todas trasladadas e a reconstrução se fez sem grandes robustecimentos pois se assim fosse uma capela mudada em 1757 não estaria em completa ruína nos anos 50 do século XX como aconteceu.
Dir-se-á, sem reservas, que aqui nasceu Caria de Jusã actual freguesia da Rua, tal é a mescla de épocas históricas remotas a que pertencem os artefactos encontrados nos terrenos cercanejos. Foi aliás esse facto que levou Gonçalves da Costa a afiançar que ter-se-á formado aí a primeira comunidade cristã luso-romana no espaço da actual freguesia. Erguida essa comunidade, foi erguida também uma capela em honra de S. João Baptista, referenciada num epitáfio (inscrição) do ano 589. Dessa lápide que terá sido achada na capela, constava que “Amanda, serva de Jesus Cristo aí falecera em paz nesse ano”. Este, porém, não fora o único “monumentum” (lápide sepulcral com epitáfio) a ser encontrado. No fim do século XVIII, assevera João Romano Torres no seu Dicionário, numa vinha junto a esta capela, foi encontrada uma grande sepultura de pedra muito bem lavrada.
Cimentada a comunidade, ela veio a ser alvo de sucessivas ocupações praticamente até a Idade Média, como comprovam as abundantes sepulturas escavas na rocha, alusivas a esse período, que se encontram nas imediações do espaço onde está implantada a actual capela. Duas delas estão logo na bordadura do caminho, de fronte para uma das faces laterais do templo.
No que concerne aos demais artefactos que têm brotado do solo como as trutas do Távora, contam-se fragmentos de tégulae, tijolos de grossura ancestral, vasos, pesos, um manancial de moedas em vários tipos de metal, entre outros monólitos que denunciam a existência de uma ocupação primitiva remota do local. Alguns deles existem ainda na posse particular onde se espera que sejam guardados e preservados, pois são eles a prova cabal da grandeza cronológica da história desta freguesia da Rua.
Teria sido, portanto, entre Vide e Granja dos Oleiros, que se instalou a primeira comunidade devota a S. João. Daí irradiaria o culto para paróquias criadas posteriormente, nomeadamente a de S. João Baptista de Moimenta da Beira que na sua génese era uma freguesia de Leomil, a qual tinha como cabeça a paróquia de S. Tiago, outro dos santos muito venerados na região, e que fazia calcorrear pelos caminhos romanos da região a chusma de peregrinos que aqui repousavam das jornadas em direcção a Compostela.
A imagem desta capela é muito antiga e foi trasladada para a capela do Espírito Santo de Vide (outrora de S. Sebastião), na altura em que ela se encontrava completamente arruinada. A talha foi vendida na década de 50 pelo pároco da freguesia, não sabe por que quantia nem para que fins! Destino idêntico tiveram outras capelas do concelho. Não acreditou o sacerdote, pelo que se conjectura, que o antigo templo edificado em honra de S. João Baptista 500 anos depois do nascimento de Cristo seria recuperado. A talha que hoje lá poderia estar, bem como a antiga imagem do apóstolo seriam um valor acrescido para a monumentalidade desta freguesia.
Estranhamente esta capela não se encontra em termos físicos orientada para o poente, o que constitui uma particularidade a assinalar, a qual reforça a ideia de que foi para aqui trasladada ou mudada de outra localização, tal como alude a já supracitada inscrição. No que respeita à celebração e importância do S. João para a povoação de Vide, fica a referência histórica de que nesta aldeia se realizava uma feira mensal dita de S. João.
Sabe-se que em 9 de Junho de 1753 apesar de já não estar em boas condições foi a casa onde Rodrigo Guedes de Vasconcelos, mestre de campo da comarca de Lamego, contraiu matrimónio com D. Margarida Joaquina Peregrina Botelho de Meneses, da freguesia dos Anjos, Lisboa, já viúva de Álvaro José Pereira de Quadros Borralho.
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