sexta-feira, 16 de março de 2012

«Arqueologia» - O sino: forma de comunicação perfeita e maravilha da arte


 Sinos da Igreja Matriz de Moimenta da Beira

Os sinos têm desempenhado ao longo dos tempos um papel importante na comunidade quer a nível religioso quer do ponto de vista social. De acordo com o toque (conhecido de antemão pelo povo), servem de chamamento para as celebrações e orações diárias, de alarme (tocam a rebate se houver fogo ou uma outra adversidade), orientam-nos no tempo (relógio comunitário) e são capazes de nos transmitir sentimentos, repicando de alegria quando nasce uma criança, diferenciando a badalada se for do sexo masculino ou feminino; ou em tom de tristeza (comum toque lento e espaçoso) quando morre alguém.
A este sinal[1], que nos convida lá do alto do campanário a elevar a mente ao Céu, pode dizer-se mesmo que, para além de ser uma forma de comunicação perfeita, também é uma das obras de arte mais belas criadas pelo Homem.
Antes de ser fundido, geralmente em bronze, cada sino é elaborado com muito cuidado desde a sua forma (tipicamente cónica) e tamanho à sonoridade[2]. O molde de que é feito consiste numa mistura de argila, pêlos de cabra e estrume de cavalo que, depois de seco à base de calor de uma fogueira, é cortado e untado com gordura de vaca para que fique completamente liso e se possa estampar os frisos decorativos (de cobre, estanho, ouro ou prata) e as inscrições (com a identificação da fundição e/ou alusivas ao culto) em cera a partir de madeira gravada.
Por exemplo, dos três sinos que integram a torre da Igreja Matriz de Moimenta da Beira, dois têm estampada a informação de que foram fabricados em 1981[3] na Fundição de Sinos de Braga[4] e outro, a seguinte inscrição:
IHS * MARIA * JOZE
ECCE * CRUCEM * DOMINI * FUGITE * PARTES * ADVERSAE

IHS * MARIA * JOSÉ
EIS A CRUZ DO SENHOR! FUGI FORÇAS INIMIGAS!

Vejamos outras inscrições em latim existentes em antigos e venerados sinos:
“Laudo Deum verum” – Louvo o Deus verdadeiro.
“Plebem voco” – Convido o povo.
“Congrego clerum” – Reúno o clero.
“Defunctos ploro” – Choro os mortos.
“Nimbum fugo” – Afugento os temporais.
“Festa decoro” – Solenizo as festas.

“Funera plango” – Choro os funerais.
“Fulmina franfo” – Elimino os raios.
“Sabbata pango” – Alegro os feriados.
“Excito lentos” – Acordo os preguiçosos.
“Dissipo ventos” – Afasto os vendavais.
“Paco cruentos” – Pacifico os violentos.

Devo dizer-vos que, subir ao campanário das nossas igrejas por uma estreita escadaria de granito em forma de caracol e apreciar de perto estes retumbantes instrumentos, é uma experiência bastante agradável.

Publicado no Jornal Beirão (80.ª edição)


[1] Sino deriva do latim signum que significa sinal.
[2] Tratando-se de um instrumento de percussão, encontramo-los com uma lingueta (também conhecida por badalo) suspensa no seu interior, ou martelo, uma peça que bate o sino por fora. Hoje, em consequência do progresso tecnológico, o batimento através do esforço humano tem vindo a ser substituído pela programação electrónica.
[3] O mais antigo conhecido no território nacional data de 1287 e foi descoberto durante uma escavação arqueológica na Igreja de São Pedro de Coruche (Distrito de Santarém).
[4] Em Portugal, existe ainda a Fundição de Sinos de Rio Tinto, considerada a mais antiga do país (1889).

Autor: José Carlos Santos

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