segunda-feira, 21 de novembro de 2011

«Arqueologia» - Mosteiro de São Pedro das Águias: um dos mais belos monumentos da arquitectura românica portuguesa



Numa pequena plataforma, ao fundo do vale do Távora[1], situa-se um dos mais belos monumentos da arquitectura românica[2] portuguesa: o mosteiro de São Pedro das Águias, um pequeno templo beneditino que adoptou a regra cisterciense.  
A sua implantação, extraordinariamente insólita por se encontrar edificado num local desnivelado de frente para a penedia granítica, ao ponto de entre a porta principal e o fraguedo restar uma estreita entrada, delimitada por um arco ricamente decorado[3], é apontada aos meados do século XII, embora, de acordo com uma lenda fantasiosa contada por Frei Bernardo de Brito, crê-se que terá sido fundado no início do século XI pelos irmãos[4], Rausendo e Tedão[5], cavaleiros que aqui lutaram contra os Mouros, perpetuando, por conseguinte, este lugar numa das mais bonitas histórias de mouras: a lenda da princesa Ardinga[6] (ou Ardínia).
 Com a extinção das ordens religiosas na primeira metade do século XIX, ficou ao abandono e à consequente ruína, sendo, entretanto, restaurado pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais em meados do século XX e merecidamente classificado como Imóvel de Interesse Público em 1953 e Zona Especial de Protecção em 1954.
Coberto por telhados de duas águas (rematados nos topos por cruzes) sobre uma cornija ornada de modilhões e cachorros, alguns deles de inspiração profana e satírica, este templo, também conhecido como São Pedro o Velho, apresenta a planta mais simples do românico nortenho: nave única e capela-mor de configuração rectangular (revelando uma acentuada desproporção entre a altura da nave e as modestas dimensões da capela-mor), cujos portais, principal e lateral (norte), em arcos de volta inteira, se distinguem pela profusa ornamentação simbólica[7].
Laboriosamente em granito (material privilegiado da construção do mosteiro), a porta axial apresenta duas arquivoltas boleadas, envolvidas por friso, assentes, de cada lado, sobre esculturas zoomórficas, possivelmente representando leões. O tímpano é decorado com laçaria e uma cruz dita «visigótica». Manifestamente estreito, o portal norte alardeia no tímpano em baixo-relevo a representação do Agnus Dei, o Cordeiro de Deus[8]. Num esquema idêntico ao do portal principal, a arquivolta interna, apoiada em possantes animais, exibe três cabeças de cão ou lobo abocanhando um toro com motivos em espinha. Na aduela central da arquivolta exterior encontra-se gravada a seguinte inscrição em latim: DNS EXERCITVM: CVSTODIA/AT: HVI (VS) TEMPLI INTROIT/VM ET EXITVM significando «Que o Deus do exército guarde a entrada e a saída deste templo». A poucos metros de distância, no adro, destaque ainda para a presença de um austero sarcófago[9], de forma antropomórfica, em granito.
Iluminado por uma série de estreitas frestas (discretamente abertas nas paredes), o interior do templo deslumbra, por sua vez, com um arco triunfal, também decorado.

Indubitavelmente, uma agradável surpresa para quem o visita!



[1] Em Távora (freguesia do mesmo concelho), a pouca distância e também numa encosta sobranceira ao rio Távora, existe uma outra edificação monástica que dá pelo mesmo nome – Convento de São Pedro das Águias – com a qual os monges deste pequeno templo tiveram uma relação privilegiada.
[2] A arquitectura românica surgiu na Europa no século X e evoluiu para o estilo gótico no fim do século XII.
[3] Filiável no trabalho das oficinas de Braga-Rates.
[4] Bisnetos do rei de Leão, D. Ramiro II. Segundo a lenda, estes cavaleiros terão encontrado aqui uma mesquita onde vivia um eremita de nome Pandulfo. Expulso ou fugido o «mouro», trataram de cristianizar o templo e de nele instalar um eremita de nome Gelásio.
[5] Donde deriva o nome do rio Tedo.
[6] Degolada e lançada ao rio Távora pelo emir de Lamego, após este ter descoberto que a sua filha se apaixonara pelo cavaleiro cristão D. Tedão.
[7] Como é bem de ver neste templo, o período românico pretendeu privilegiar o símbolo e não é por acaso que a maioria dos temas figurativos se encontram nos portais, como um ponto crucial num rito de passagem de grande peso simbólico.
[8] Como em outros templos, nomeadamente na Igreja de São Salvador de Bravães (concelho de Ponte da Barca), o Cordeiro de Deus (o salvador da humanidade) encontra-se à porta do templo, do lado de fora ou do lado de dentro, protegendo a entrada.
[9] Forma de enterramento praticada a partir do século XII.

Publicado no Jornal Beirão (73.ª edição)

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