quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

«Arqueologia» - A talha dourada: original e abundante no quadro da arte portuguesa

A talha dourada é uma das manifestações artísticas, juntamente com o azulejo, mais originais e abundantes em Portugal. Trata-se de uma técnica escultórica, em que a madeira, especialmente de castanho ou carvalho, é talhada e posteriormente revestida por uma película de ouro, geralmente ligada não só à decoração interior de igrejas, capelas e catedrais (de todas as épocas), mas também de salões nobres em palácios e grandes edifícios públicos.
Inspirando-se nos portais românicos e manuelinos, a arte da talha dourada [2] assumiu toda a sua monumentalidade em pleno período barroco, durante o reinado de D. João V (daí o epíteto de «estilo joanino»), beneficiando sobretudo da grande quantidade de ouro vindo do Brasil. Só no século XIX foi perdendo a atenção, deixando de ser empregue.
Em estreita correlação com a estatuária religiosa, permitiu uma arquitectura de luxo num período economicamente difícil, capaz de transmitir a ideia de riqueza, ao gosto da época, quer para a Igreja Católica quer para a Corte, Nobreza e Burguesia endinheirada, enquanto outras formas de decoração, nomeadamente a pintura e a escultura, eram tecnicamente mais exigentes e demasiado caras.
Numa infinidade de exemplos, a talha dourada deslumbra principalmente através dos seus retábulos visualmente atractivos, associados ao altar, conferindo-lhe animação e luminosidade. Em algumas igrejas, chega a cobrir todo o espaço interior, nomeadamente as abóbadas, as paredes, os tectos (de caixotões), arcos, púlpitos, sanefas, colunas, molduras, cadeirais, órgãos, lavabos e castiçais, profusamente ornamentadas com motivos religiosos (anjos) ou profanos, fitomorfos (por exemplo cachos de uva, folhas de acanto, ramos de loureiro, grinaldas de flores) e zoomorfos (pequenas aves, ratos, esquilos, coelhos…), diferentemente combinados.

Como se fazia a talha dourada
Para a sua execução era necessário:
I. O desenho (feito por um arquitecto ou pelo próprio mestre entalhador);
II. A construção da estrutura (o trabalho de entalhe era realizado na oficina);
III. A montagem no local (a estrutura era montada e ornamentada no local por partes; as esculturas mais complexas e de maior volume assumiam posições de destaque e eram tarefa exclusiva de mestres conceituados);
IV. A preparação da madeira para receber o ouro (aplicava-se faseadamente uma pasta – gesso grosso e mate e/ou terra avermelhada – na superfície das peças, para que, depois, as folhas de ouro, estas muito finas, aderissem à madeira);
V. O douramento (representava a última fase do processo e podia durar alguns meses, uma vez que o seu custo era elevado) 

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[1] -  A arte barroca surgiu nos inícios do século XVII em Roma e caracterizou-se sobretudo pela grande riqueza decorativa.
[2] - Esta técnica escultórica já existia nas antigas civilizações, nomeadamente egípcia e grega. Podemos encontrá-la também em mesquitas muçulmanas e em templos budistas.
 



Publicado no Jornal Beirão (77.ª edição)

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